Nos últimos anos, têm crescido bastante a procura, entre os descendentes de tiroleses, de informações sobre os trajes tradicionais da região de origem dos seus ancestrais. No entanto, a maior parte das informações se encontra em italiano ou alemão. Neste post vamos detalhar os principais aspectos dos trajes típicos do Tirol Italiano (atual Província de Trento); esperamos que seja uma boa fonte de informação aos descendentes que desejam formar grupos de dança ou meramente cultuar as tradições dos antepassados.
Prof. Dr. Misael Dalbosco (Nova Trento, SC)
As roupas camponesas que, na região do Tirol Histórico, se convenciona chamar “trajes típicos” datam, na sua maioria, do final do século XVIII e início do século XIX, após a reforma do Landesordnung (ordenamento territorial) tirolês nos tempos da imperatriz Maria Teresa da Áustria, (a região de Trento pertenceu ao Império Austríaco de 1363 até 1918). Até essa reforma, os camponeses eram proibidos de utilizar, nas suas vestimentas, tecidos considerados “de luxo”, como a seda e o veludo, devendo restringir-se a tecidos feitos em casa. O fim dessa proibição levou ao surgimento de grande variedade de vestiário festivo da população rural. No caso da região tirolesa, cada vale tinha seu modo particular de vestir, com características comuns a todas os vales, fossem de língua alemã ou italiana (“trentinos”).
Nas últimas duas décadas, especialmente devido à refundação de diversas companhias de atiradores (Sìzzeri¸ Bersaglieri ou Schützen), foram realizados várias consultas a fontes históricas buscando reconstruir os trajes tradicionais da região trentina, de forma que hoje é possível obter informações mais detalhadas sobre a natureza e os detalhes técnicos dos trajes típicos dessa parte do Tirol.
TRAJE FEMININO
Embora cada vale do Tirol tivesse seus trajes particulares, os vestidos femininos mantinham características comuns a toda a área alpina tirolesa. No dia-a-dia, a roupa de trabalho das mulheres normalmente consistia de um vestido simples com um corpete (corpèt, em dialeto trentino) fechado na frente por uma fila vertical de botões e uma longa saia até os tornozelos, com um avental por cima.
Os vestidos de festa eram baseados no modelo utilizado para o trabalho. Eram feitos com um corpete justo, fabricado tecidos mais nobres, como a seda ou o veludo, e utilizando cores mais vivas, como o verde, o vermelho, o amarelo e o azul. No lugar dos botões, era ricamente decorado com tirantes de cores e materiais diversos, fitas trabalhadas e outros adornos.
A saia, que descia até os tornozelos, em geral era de pano simples e de cores escuras, como o preto ou azul-escuro. Por baixo do corpete, a camisa branca de linho normalmente tinha a gola e as mangas ricamente trabalhadas. Por cima da saia do vestido, utilizava-se um avental colorido (grumbial, em dialeto), normalmente com motivos florais, feito de algodão ou seda.
Completando o traje, vestia-se um xale de seda ou bordado sobre os ombros, amarrado na frente ou nas laterais do vestido. Nos meses mais frios, era comum o uso de jaquetas de loden (uma espécie de lã batida, muito quente), longas até a cintura.
O uso de chapéus não era exclusividade dos homens, sendo muito comum também entre as mulheres. Até fins do século XVIII, os tiroleses utilizavam chapéus baixos de abas bastante largas, de cores diversas, predominando o verde e amarelo. Em meados do século XIX, a maior parte dos vales havia adotado chapéus cilíndricos de feltro preto, de abas mais curtas. Caso não utilizassem o chapéu, as mulheres enfeitavam os cabelos com tranças, fitas coloridas e outros adornos.
TRAJE MASCULINO
A base da vestimenta tradicional dos homens tiroleses são as calças de couro (braghe de coram, em dialeto). Essas calças são a mesma Lederhose usada no Sul da Alemanha e Áustria. Em todo o mundo, e especialmente na região de Blumenau (SC), esse tipo de roupa ficou conhecido como “traje típico alemão”. Apesar disso, as calças de couro são utilizadas como trajes típicos somente em uma pequena região da Alemanha: a Baviera, onde acontece a famosa Oktoberfest. No resto da Alemanha, as calças de couro não fazem parte da vestimenta tradicional. Trata-se de um traje típico dos Alpes, utilizado portanto também na Áustria, Tirol (inclusive a região trentina) e parte da Suíça (Appenzell).
Originalmente, as calças de couro eram usadas para o trabalho e para caçadas, sendo por esse motivo relativamente curtas, acima do joelho. Na parte da frente, contavam com uma espécie de aba (patel, em dialeto), abotoada na altura da cintura. O traje de festa seguia o mesmo modelo, mas as calças eram mais compridas, amarradas abaixo do joelho. Tradicionalmente, esses trajes eram de couro marrom ou preto, podendo ser bordadas ou não. No Tirol Italiano, além do couro também se encontravam calças em tecidos e cores diversas, feitas segundo o modelo das braghe de coram.
Em conjunto com as calças, utilizava-se os característicos suspensórios de couro (spalazi ou tirache, em dialeto), que poderiam ser em forma de H ou em forma de V invertido. Na região sul do Tirol, que inclui o Tirol Italiano, era mais comum o uso de largos suspensórios verdes em tecido, na forma de H.
Nos dias de festa, junto com as calças de couro, os homens utilizavam meias de lã até o joelho e um colete (gilè, em dialeto) de linho, veludo ou seda por cima de uma camisa branca de linho. Em certas regiões do Tirol Italiano, bem como no Tirol Alemão, era costume usar o colete por baixo dos largos suspensórios verdes; em outras regiões, os suspensórios ficavam escondidos sob o colete. A cor do gilè variava de acordo com cada um dos vales, sendo o vermelho a cor mais comum. No pescoço, por baixo ou por cima do colete, utilizava-se um lenço colorido.
Por cima do traje, vestia-se uma pesada jaqueta (giàca ou giuba, em dialeto) de loden, normalmente até a cintura mas podendo chegar ao joelho, dependendo da região. Os casacos normalmente feitos de cores escuras, como o marrom e preto, mas encontravam-se também em cores claras como o cinza. O uso da jaqueta era facultativo entre o dia de Corpus Christi e a festa da Natividade de Maria, ou seja, durante os meses mais quentes no Hemisfério Norte.
O chapéu completava o traje; normalmente homens e mulheres utilizavam modelos similares. Atualmente, também é muito comum o uso do característico chapéu tirolês de três pontas, na cor verde ou cinza. Como enfeite para o chapéu, usam-se penas do galo forcello ou um feixe de pêlos do camoscio, um tipo de cabrito alpino, além de flores, pequenos troféus de caça, etc.
O grande cinturão de couro bordado (zentura de veludo, em dialeto) fazia parte do traje cotidiano sobretudo na região oriental do Tirol Italiano (Primiero e Valsugana), sendo usado nas outras regiões apenas pelos sìzzeri ou bersaglieri (“atiradores”), que apoiavam suas armas no cinturão. Trata-se de largos cinturões de couro, adornados com tecidos aveludados bordados, normalmente em motivos florais. Também podia ser bordado diretamente sobre o couro, embora esse tipo de adorno fosse mais comum no Tirol Alemão. Em alguns vales, quem não possuía o cinturão utilizava uma longa faixa de malha enrolada e amarrada na cintura.
Trajes típicos – Schützen
Veja no vídeo abaixo os trajes típicos utilizados por algumas das companhias de atiradores da província de Trento:
FONTES
- Comitato “Amici di San Colombano”
- GRI, Gian Paolo e SAN GIUSEPPE, Chiara. I costumi popolari del Trentino negli acquerelli di Carl von Lutterotti. Museo degli Usi e Costumi della Gente Trentina, San Michelle all’Adige, 2010.
- Il Mondo Degli Schützen
- O Blumenauense
- Institut Cultural Ladin
- Grop de Folclor Cianacei
- Deutsche Digitale Bibliothek
- Gruppo Folk Mezzano di Primiero
- Almanacco delle Compagnie Schützen del Tirolo Meridionale – Welschtiroler Schützenbund. Egon Edizioni, Rovereto, 2012.
Gostaria de parabenizar o Misael e o Altmayer pela brilhante iniciativa de formatar e divulgar importantes dados históricos sobre a região Tirolesa, seu povo, costumes e tradições o que permitirá formar e fortalecer um sentimento genuinamente Tirolês. Votos de continuado sucesso. Mauro Lenzi
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Caro Mauro Lenzi:
Agradecemos pela mensagem. Sinta-se sempre à vontade para contribuir com informações acerca da imigração tirolesa. Um abraço nosso a você.
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Belo trabalho dos autores.Esclarecedor,informativo e que nos leva a imaginar como eram nossos ancestrais. Aprendi a ser trentino e agora me torno trentino /tirolês.
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Gostaria de parabenizar todas as matérias que vem postando, sou de origem Bellunesi (VENETO) e divulgamos nossa região, porém parte do Vêneto mantém suas características tirolesas e temos o mesmo carinho e admiração! Continuem divulgando esse belíssimo trabalho e pode conter com nosso apoio atrás da Federazione Folk La Serenissima que reúne grupos folclóricos no Brasil e as Associazione Bellunesi Nel Mondo aqui de nosso país! Strucon a tutti
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Melhor explicativa que encontrei até agora sobre o trajes típicos italianos. Parabéns!
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Prezada Sra. Alice Claro:
Todavia não se trata de trajes típicos “italianos”, mas tiroleses, de tradição austríaca.
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Sou de Bolzano e guardo os suspensórios das roupas masculinas. e fotos de trajes típicos de antes de 1950. Gostaria de saber se você conhece alguém que possa me ensinar a tocar cítara
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Olá amigo gostaria de saber o significado o porque a maioria dos trajes tiroleses se usa um lenço preto ?
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Olá amigo gostaria de saber o significado o porque a maioria dos trajes tiroleses se usa um lenço preto ?
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Parabéns aos Tiroleses do Brasil por divulgarem as tradições da cultura.
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Caro Everton, gostaria de saber se terias como me indicar alguma fonte sobre o uso das calças de couro e dos suspensórios no Trentino.
Pergunto porque, em minhas limitadas pesquisas, não encontrei nenhuma indicação concreta (além da singular litografia francesa apresentada neste artigo) de que essas peças faziam parte das vestimentas tradicionais da região, em que pese elas sejam amplamente utilizadas pelos Schützen.
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