Somos tiroleses – parte 3

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 Passaporto 1

O Blog Tiroleses no Brasil propõe uma reflexão sobre quando e como os “descendentes de tiroleses italianos” (descendentes de austríacos de língua italiana) se tornaram “descendentes de trentinos”.

Prof. Dr. Everton Altmayer (Treze Tílias, SC)

Seria a atual “identidade trentina” uma continuidade na identidade a partir do processo imigratório tirolês iniciado no final do século XIX ou uma releitura ad hoc (posterior e intencionada) baseada na atual conjuntura política da Província Autônoma de Trento, influenciada por entidades trentinas atuantes no Brasil desde a década de 1970? Quais são os aspectos que identificam os tiroleses no contexto da imigração de europeus? Até que ponto a descendência se limita à realidade política da Itália e Áustria atuais, misturando os conceitos de “pátria” e “estado” ou, ainda, de “língua” e “nação”?

Apresentamos uma análise introdutória, que aqui se faz com documentação histórica de diversas épocas e que atestam o uso do adjetivo “tirolês” para se referir aos imigrantes oriundos do território tradicionalmente chamado Tirol e cuja porção meridional atualmente compõe a Província Autônoma de Trento. Apresentaremos, inclusive, exemplos que atestam o uso de “tirolês” para identificar o idioma dos imigrantes (dialeto trentino).

Tiroleses em Minas Gerais

A primeira experiência de imigração austríaca no Brasil teve início no ano de 1858, quando tiroleses de língua alemã e italiana que se instalaram juntamente com colonos alemães na Colônia Dom Pedro II, instalada anos antes na cidade mineira de Juiz de Fora (à época Santo Antônio do Paraibuna), onde foram contratados pela antiga Companhia União e Indústria para trabalharem nos projetos de construção viária ligando Minas Gerais ao Rio de Janeiro. Os contratos entre a Companhia União e Indústria e os colonos eram firmados no porto de Hamburgo, de onde partiam os imigrantes alemães e austríacos.

casa colono Juiz de Fora

Por conta do aumento de imigrantes germânicos que ali se instalavam, em pouco tempo surgiu nova área populacional na colônia, denominada Colônia de Baixo, mas chamada pelos colonos como Sítio do Borboleta, porque as terras pertenceram ao exilado uruguaio chamado Ramirez Mendoza Borboleta. Os imigrantes  encontravam dificuldades na adaptação ao novo ambiente, sobretudo por causa das mudanças climáticas e de ambiente.

Santana do Tirol livro capela
Livro sobre a capela tirolesa de Juiz de Fora.

Os tiroleses vieram a partir de 1858 nos navios Gundela e Osnambrück, saídos de diversas localidades do Tirol setentrional (Fulpmes, Matrei, Reith, Telfs etc) e meridional (Brixen, Cavalese, Kastelruth, Lüsen, Merano etc), bem como do Vorarlberg (Feldkirch), território que à época estava unido administrativamente ao Tirol. Tratou-se, sem dúvida, da primeira imigração tirolesa no Brasil, com tiroleses de língua alemã, italiana e provavelmente ladina. Na assim chamada “Colônia Alemã” de Juiz de Fora, os imigrantes tiroleses formavam um grupo minoritário, mas nem por isso despercebido. Ali, deram início à pequena comunidade de Sant’Ana (ou Santana do Tirol), que abriga uma capela e onde ainda moram muitos de seus descendentes.

Tiroleses no Espírito Santo

A primeira colônia austríaca propriamente dita no Brasil foi instalada no ano de 1859 em terras capixabas, fundada por tiroleses de língua alemã. Contudo, anos antes já circulavam pela então província do Espírito Santo alguns “aventureiros” austríacos, com destaque para personagens como o frade Wendelino de Innsbruck – o primeiro tirolês de língua alemã de que se tem notícia no Espírito Santo – e o ex-industrial Pietro Tabacchi que, após a falência de seus negócios, teria sido supostamente “obrigado a fugir” de Trento por causa de credores locais. Tabacchi iniciou a colonização na região de Santa Tereza em 1874, mas já circulava por terras capixabas desde 1851 e ali prosperou com a extração de madeira anos antes da fundação da Colônia Tirol em Santa Leopoldina por tiroleses de língua alemã (1859).

Na Colônia Timbuhy, os imigrantes tiroleses eram denominados conforme sua realidade pátria, ou seja, “austríacos de língua italiana” e recebiam elogios do governo em Vitória:

A colonização dos tiroleses deu ótimos resultados, homens trabalhadores e de boa moral, cuidam de seus serviços com interesse, e constantemente revelam-se amantes de suas famílias e interessados no bem-estar de cada um de seus membros.

Na região de Santa Teresa, “berço” da imigração “italiana” no Espírito Santo, os primeiros a chegar eram cidadãos austríacos de língua italiana (tiroleses italianos). Muitos registros históricos atestam o uso do adjetivo tirolês ou tirolês italiano na região onde, em 1874, 388 imigrantes austríacos saídos do Tirol chegaram ao Brasil e se estabeleceram em uma fazenda de Pietro Tabbachi, que passou a se chamar Colônia Nova Trento (homenagem à “capital” do Tirol Italiano).

Descontentes com a proposta de Tabacchi, vários colonos se rebelaram e procuraram ajuda do governo local para que fossem transferidos para Santa Leopoldina (onde os tiroleses de língua alemã encontravam melhores condições) e tais reivindicações contaram com o apoio do Consulado Austríaco do Rio de Janeiro. Diante do ocorrido, o tirolês Tabbachi fez circular um aviso, indicando a região de procedência dos imigrantes:

Comunicação. Aviso.

Pietro Tabacchi, tendo contratado diversos colonos do Tirol Italiano para a sua fazenda, situada no Município de Santa Cruz, avisa que procederá com todo o rigor, em conformidade com a lei de 11 de outubro de 1837, contra quem engajar ou admitir tais colonos em qualquer trabalho privado. E, para que ninguém possa alegar ignorância destes fatos, publica este aviso na imprensa.
Vitória, 06/05/1874

Alguns tiroleses italianos se estabeleceram em Santa Leopoldina e outros, que reivindicavam novos lotes junto às autoridades de Vitória, foram transferidos para a Colônia Rio Novo. Um telegrama da secretaria da presidência da província do Espírito Santo também se referia aos imigrantes como tiroleses:

“Não é possível conceder o que os Tiroleses pedem. Se, definitivamente, não querem estabelecer-se em Rio Novo, dê ordem a fim de que se suspendam os fornecimentos que lhe estão sendo concedidos. Verifique, contudo, a possibilidade de recuperar alguns, e os outros que se arranjem”. [1]

Em 1875 chegaram mais tiroleses de língua italiana ao Espírito Santo, estabelecendo-se em Alto Pongal, no atual município de Anchieta, juntamente com colônos italianos.

O jornal de Trento La Voce Cattolica chegou a publicar 06 de junho de 1878 um comentário sobre os imigrantes estabelecidos em terras capixabas, indicando que somente um núcleo fazia referência à terra de origem: a comunidade de São José do Tirol no II Território. Em outra publicação, citou a decadência da Colônia Nova Levico (provavelmente com esse nome porque fundada por tiroleses saídos de Levico Terme, na Valsugana) pela precariedade de estrutura.

Imigrante austríaco Venancio Loss. Natural do Tirol.
Imigrante austríaco do Tirol radicado em Santa Teresa.

No decorrer do tempo, o adjetivo tirolês continuou a ser utilizado pelos descendentes no Espírito Santo. Registramos um santinho de falecimento de um imigrante tirolês datado de 1944 (24 anos após a anexação do Tirol Meridional à Itália) e que traz a palavra “Trentino” para se referir à sua região de origem, mas indica a Áustria como pátria.

Ao que parece, o uso do adjetivo “trentino” passou a ganhar mais espaço na década de 1980, após a fundação do Circolo Trentino de Santa Teresa. Muito provavelmente, o sentimento de “trentinidade” em consonância com aquele da “italianidade” (não mais linguística, mas de caráter nacional italiano) se reforçou, sobretudo, na presença vêneta, pois os imigrantes italianos (vênetos, lombardos, emilianos e piemonteses) somavam 66% da imigração, ao passo que os tiroleses representaram apenas 12%. Todavia, alguns descendentes mais velhos da comunidade de Nova Valsugana, em Santa Teresa, ainda se referem ao Tirol como a terra de origem de seus antepassados, mas parece não haver ali nenhuma denominação específica para o dialeto trentino ainda falado por alguns descendentes, que é denominado “italiano” embora seja uma que podemos chamar de koiné trentino-vêneta.

Tiroleses em São Paulo

A imigração tirolesa no estado de São Paulo é, ainda hoje, um desafio à pesquisa histórica, haja vista que os imigrantes não se concentravam em núcleos coloniais, mas trabalhavam em fazendas de café espalhadas pelo interior paulista. Não poucas famílias se estabeleceram na zona urbana da atual metrópole paulistana (no tempo em que uma metrópole sequer existia), tendo muitos deles trabalhado na construção de estradas de ferro e por seu ofício eram chamados em dialeto trentino aisempóneri (do alemão Eisenbahner). Registram-se nas cidades de São Bernardo do Campo e Santo André, assim como no bairro paulistano da Lapa, uma considerável presença tirolesa a partir de 1876.

Alguns tiroleses de língua alemã se instalaram juntamente com demais colonos alemães, letos, russos, estonianos, espanhóis e italianos na Colônia Nova Europa, pertencente aos núcleos coloniais de Cambuhy, na região de Araraquara.

Tradução do passaporte do imigrante austríaco Vitto Pietro Dell'Antonia.
Tradução do passaporte do imigrante austríaco Vitto Pietro Dell’Antonia.

No ABC Paulista, em Santo André e São Bernardo do Campo, alguns descendentes mais velhos dos imigrantes tiroleses (saídos principalmente do Primiero e do Vale do Ádige) ainda falavam entre si o dialeto “italiano” de seus pais e avós que, contudo, não era indicado como “dialeto trentino” (palavra desconhecida por muitos desses descendentes), mas era chamado “dialeto tirolês”. Muitos membros da família Dell’Antonia, de Santo André (e que rendeu um prefeito à cidade), afirmavam que se consideravam austríacos e que membros da família emigravam da região do Primiero no Tirol Meridional por conta dos problemas políticos causados pelo Reino da Itália.

No interior paulista, muitos tiroleses se estabeleceram nas imediações de Campinas, Rio Claro, Araraquara, Brotas e Jaú. Contudo, em todo estado constituíram-se apenas duas comunidades “tirolesas”: a Colônia Tirolesa de Piracicaba, formada pelos bairros rurais de Santa Olímpia e Santana, fundada entre 1892 e 1893, e a comunidade de Traviú, fundada em 1893 no município de Jundiaí por tiroleses e vênetos. O primeiro paulista interessado na contratação de colonos europeus (alemães, austríacos, suíços e italianos) no final do século XIX foi Joaquim Bonifácio do Amaral, Visconde de Indaiatuba. Em um escrito datado de 1879, o visconde afirmava sobre a contratação de colonos tiroleses:

“Verificada a guerra violenta da Alemanha contra a emigração de seus habitantes para o Brasil, esta fonte não poderia ter sido melhor substituída senão pelos habitantes das terras do Tirol. As famílias são autenticamente patriarcais, seja pela dimensão, seja pela moralidade, união e amor ao trabalho. Sendo certo que a colonização não deve ser afrontada unicamente como elemento de evolução material, isto é, braços, mas decididamente valorizada como elemento de evolução social, que retempera o sangue e a virilidade brasileira, e coopera proficuamente para a nossa civilidade, parece que a esse desejo, melhor correspondem os emigrantes tiroleses”.

Os imigrantes tiroleses foram pioneiros na produção de vinho no interior paulista.
Os imigrantes tiroleses foram pioneiros na produção de vinho no interior paulista.

Muitas famílias tirolesas que trabalharam por dez anos na Fazenda Sete Quedas, em Campinas, pertencente ao Visconde de Indaiatuba, seguiram para outras localidades após o final do contrato. No caso das comunidades de Piracicaba e Jundiaí, havia laços de parentesco, pois muitos colonos eram originários de Romagnano (atualmente um distrito da cidade de Trento). Os tiroleses que se transferiram para Jundiaí fundaram o Bairro Traviú juntamente com colonos vênetos e foram os pioneiros na produção de vinhos, atividade que atualmente destaca a cidade paulista.

Sobre a identidade dos imigrantes tiroleses quanto à sua nacionalidade, basta visitar o site da associação de moradores do bairro Traviú, em Jundiaí:

Traviú rivalidade tiroleses vênetos
Disputas em Traviú, colônia fundada por tiroleses (austríacos) e vênetos (italianos).

A presença tirolesa na cidade de Piracicaba é atestada em jornais do século XIX e é parte integrante da história da cidade. Em 08 de janeiro de 1971, o Jornal de Piracicaba publicava uma matéria sobre o modo de viver nas áreas rurais, de autoria de Luiza Stolf Stipp:

“Em todas as fazendas, parávamos um pouco, pois os seus proprietários eram amigos e fregueses do armazém do meu pai, José Stolf (Bepe), como era conhecido. (…) Os donos das fazendas eram todos tiroleses, vindos da Áustria, e meus pais também nasceram lá, vindo para o Brasil ainda pequenos. A hospitalidade desses tiroleses era maravilhosa”.

O site piracicabano A Província, em um texto sobre a fundação da tradicional igreja dos frades capuchinhos em 1898, descreve a festa de inauguração da igreja a partir dos estudos históricos do professor Guilherme Vitti, renomado descendente de tiroleses e um dos fundadores do Instituto Histórico Geográfico de Piracicaba (link):

“A inauguração da Igreja dos Frades foi, na verdade, uma ‘festa tirolesa’. Com a presença de autoridades civis e religiosas, benfeitores e o povo, realizou-se grande almoço ao ar livre. O destaque foi a presença do cônsul da Áustria. Mas toda a alegria ficou por conta dos tiroleses que eram, então, colonos da Fazenda Monte Alegre. Cantaram músicas do Tirol e, de maneira entusiástica, o hino nacional do Império Austríaco”.

O imigrante Luis Negri era agente consular austríaco em Piracicaba.
O imigrante Luigi Negri era agente consular austríaco em Piracicaba.

A Colônia Tirolesa de Piracicaba tinha marcada importância no contexto da imigração no estado de São Paulo e contava, inclusive, com um agente consular da Áustria na pessoa do imigrante Luigi Negri, natural de Albiano (Val di Cembra).

Registra-se o uso da palavra “trentino” na colônia tirolesa de Piracicaba apenas na década de 1970, com a fundação do Circolo Trentino di Piracicaba em 1978.

Visita do bispo Moacir Vitti ao bairro Santana em Piracicaba. Bandeiras do Tirol.
Visita do bispo Moacir Vitti ao bairro Santana em Piracicaba. Bandeiras do Tirol.

Interessante frisar que para os festejos da imigração tirolesa realizados no bairro Santana, em 1977, foi chamado o cônsul austríaco e a maior parte dos descendentes mais velhos não sabia que o Tirol Meridional havia passado para o território italiano em 1918. Uma gravação de áudio registra uma moradora da família Vitti, moradora mais velha do bairro Santana à época dos festejos e neta de imigrantes. Quando os entrevistadores lhe pedem para “parlar qualcòs en tirolés” (“falar algo em tirolês”, ou seja, em dialeto trentino), a anciã inicia um canto do período da imigração intitulado Noialtri austriachi (“Nós austríacos”).

Noialtri austriachi   [Nós, austríacos]
portiamo la bareta   [portamos o barrete]
fucile e baioneta   [fuzil e baioneta]
per nostro Imperator!   [por nosso imperador!]

No centenário da fundação do bairro Santa Olímpia, em 1992, a palavra “trentino” aparece carimbada acima da capa do livreto comemorativo que indica “Imigração Tirolesa”. No livreto da comunidade de Santana (datado de 1993), a síntese histórica de autoria do Prof. Guilherme Vitti, inicia-se com o subtítulo “Bairro dos Tiroleses”;  a indicação sobre os imigrantes terem vindo da região de Trento aparece somente na última página, não fazendo parte do conteúdo organizado por Vitti.

Também nos dias de hoje, os bairros Santana e Santa Olímpia são conhecidos como “bairros tiroleses” e seus moradores são comumente chamados pelos demais piracicabanos como “tiroleses”. Não se registra em Piracicaba o uso do termo “tiroleses italianos”, mas somente “tiroleses” e “tiroleses austríacos”, como no testamento de Zia Maria (Maria Correr Stenico), filha de um dos fundares da colônia e uma das lideranças locais nas décadas de 1920 e 1930. O termo “trentino” chegou aos bairros somente na década de 1970, e ganhou força a partir da década de 1990 (não sem acentuada resistência).

Os descendentes de tiroleses de Piracicaba realizam diversas festas e o dialeto dos imigrantes, ali chamado “tirolês”, ainda é falado pelos descendentes mais velhos e compreendido por alguns mais jovens, havendo  projetos de ensino para as novas gerações.

Links de jornais sobre a colônia tirolesa de Piracaba: 1 / 2 / 3 / 4:

Jornal O Tirolês, editado no bairro Santa Olímpia.
Jornal O Tirolês, editado até 2017 no bairro Santa Olímpia.

O bairro de Santa Olímpia publica desde 2012 um jornal local, intitulado “O Tirolês trentino”. Inicialmente, o periódico foi fundado como “O Tirolês” e permaneceu com esse nome até os primeiros meses de 2013, quando, por exigência e pressão de alguns membros da associação de bairro e do círculo trentino local (separado do círculo de Piracicaba), acrescentou a palavra “trentino”. Sobre tais posturas, condizentes com uma política recente trazida à colônia por entidades trentinas (italianas) atuantes no Brasil, trataremos em outros posts).

Tiroleses no Paraná

A imigração austríaca no Paraná se fez praticamente com colonos saídos de territórios confinantes do antigo Império Austríaco: tiroleses italianos, poloneses da Galícia, alemães e ucranianos da Bucovina. A maior parte da imigração polonesa que se estabeleceu no Paraná era da região austríaca da Galícia, terra de de João Paulo II, cujo nome de batismo, Karol Wojtyla, fora dado pelo pai, um militar austríaco, para homenagear o imperador Carlos de Habsburgo (beato da Igreja).

Placa que indica a procedência dos imigrantes fundadores de Novo Tyrol.
Placa que indica a procedência dos imigrantes fundadores da Colônia Novo Tirol.

Em número muito menor que em São Paulo e Santa Catarina, registram-se duas colônias com presença tirolesa no Paraná: a Colônia Assunguy, fundada em 1869 por colonos alemães, aos quais se juntaram italianos e, entre 1874 e 1879, tiroleses  (os primeiros vindos da Colônia Nova Trento fundada por Tabacchi), e a Colônia Santa Maria do Novo Tyrol, fundada em 1878 na região de Piraquara (já Deodoro) por tiroleses de Primiero, aos quais se juntaram algumas famílias italianas saídas de Beluno e Treviso [2].

Registra-se em uma carta de 1879, escrita por G. B. Marconi (imigrante vêneto), já dirigente de Novo Tyrol e professor da escola local, sobre os imigrantes da colônia:

“Os colonos que aqui assinam, tiroleses e italianos, têm capacidade e amor pela criação de animais bovinos e utilizam o leite de vaca de todos os modos”.

O imigrante Giovanni Bettega, que no Brasil demonstrou ser um verdadeiro empreendedor, demonstrava autêntico patriotismo tirolês, nos moldes daquele de 1809 e sobre si afirmava:

“Io sono un tirolese: diverso dagli italiani e diverso dagli austriaci”.

[“Eu sou um tirolês: diverso dos italianos e diverso dos austríacos”].

De certo modo, o modo de dizer de Bettega resumia a condição cultural da região tirolesa nos moldes do levante antinapoleônico de 1809.

Registro de entrada de imigrante austríaco onde consta a nacionalidade
Registro de entrada de imigrante austríaco onde consta a nacionalidade “tirolesa”.

Seja no contexto austríaco que italiano, o Tirol apresenta peculiaridades culturais condizentes com os vários séculos de sua história autônoma, que uniu em uma só administração três grupos linguísticos; não será, portanto, o idioma (seja ele, italiano, alemão ou ladino) a definir a cultura tirolesa. Assim que chegavam ao Brasil, os tiroleses italianos eram muitas vezes classificados como “imigrantes italianos” por causa do idioma, assim como muitos tiroleses alemães e boêmios eram classificados como “imigrantes alemães”. Essa foi prática relativamente comum das autoridades brasileiras que, de um modo geral, desconheciam a realidade plurilínue do Império Austro-Húngaro. Indagados se eram italianos ou alemães, os imigrantes respondiam ser do Tirol e alguns registros mostram o uso do adjetivo “tirolês” para indicar a nacionalidade.

O nome da colônia, Novo Tyrol, evidencia sua importância no contexto da imigração tirolesa no Paraná. Muito posteriormente, houve tentativas de se recuperar a memória da imigração local, embora o contexto atual evidencie um afastamento significativo dos aspecto identitário dos imigrantes. Em 1886, o jornal de Trento La Voce Cattolica publicava uma carta vinda do Brasil e que contava a realidade da colônia:

“Nós, nesta colônia de Novo Tirol, criada desde 1878, habitada unicamente por Tiroleses de Primiero e arredores e por Vênetos, após a construção das casas e estradas, somente internas, nada recebemos do senhor governo. Esta colônia si compunha de 80 famílias e pela falta de trabalhos públicos e pela pouca proteção governamental, muitos colonos se afastaram, até que no princípio de janeiro, dando a lista de controle familiar às autoridades, resultou formada apenas por 62 famílias”.

Casa típica construída na Colônia Novo Tyrol em Piraquara.
Casa típica construída na Colônia Novo Tyrol em Piraquara.

Muitas famílias de Novo Tyrol começaram a se dedicar à extração de madeira e o êxodo dos habitantes da colônia ocasionou um despovoamento rápido que, já na década de 1920, fazia-se sentir na demografia local.

Em meados de 1960, já não se falava mais o dialeto na colônia e boa parte dos indivíduos descendentes das famílias fundadoras havia se transferido para outras localidades.

Tiroleses em Santa Catarina

Santa Catarina é, sem dúvida, o estado brasileiro que mais recebeu imigrantes austríacos. No entanto, boa parte dos registros brasileiros não fornece informações corretas, haja vista que os imigrantes não eram classificados segundo sua nacionalidade, mas segundo sua etnia e seu idioma. Assim, vários cidadãos austríacos saídos da Boêmia (falantes do alemão) eram classificados como imigrantes “alemães”, assim como aqueles saídos da Galícia eram classificados como “polacos”, e os do Tirol, Gorízia, Friul e Trieste eram classificados como “italianos”. Sobre a postura das autoridades brasileiras, lamentava-se o cônsul austríaco de São Paulo, em um documento datado de primeiro de março de 1904 :

“Aproveito esta ocasião para chamar a atenção de V. Excia. sobre um aspecto que, em meu modo de ver, é uma falta capaz de dar ao processo de imigração uma aparência muito contraditória à realidade. Refiro-me aos casos, por mim observado tantas vezes, nos quais súditos austríacos conhecedores da língua alemã ou italiana aparecem nas estatísticas como súditos alemães [do Império Alemão] e italianos [do Reino da Itália]”. [3]

Isso se deve também à “falta” de representações austríacas em Santa Catarina; na década de 1880. O governo de Viena tentava desencorajar a imigração por causa das notícias que chegavam do Brasil e as medidas foram radicais, obrigando muitos dos que pretendiam imigrar a declarar que abririam mão da cidadania austríaca.

A
A “renúncia” da cidadania austríaca era feita no verso do passaporte do imigrante.

Desse modo, muitos imigrantes austríacos que entraram no Brasil se declaravam desvinculados da cidadania austríaca, embora entrassem com passaporte austríaco. No Reino da Itália, a situação precária da imigração não foi muito diferente, embora o governo incentivasse a imigração no intuito de “esvaziar” as regiões empobrecidas. “Fugindo” ou sendo “empurrados”, certo é que os imigrantes viajavam muitas vezes em condições precárias e, aqui no Brasil, enfrentaram todos os tipos de dificuldades possíveis, além de pouca ou nenhuma assistência consular, fosse ela alemã, austríaca ou italiana. E não raras vezes, nenhuma ajuda do governo brasileiro.

Em janeiro de 1884 chegou à Colônia Grão Pará (atual município de Orleans) um grupo de imigrantes tiroleses – vindos, sobretudo, da região de Ala e Vallagarina – e vênetos. Os colonos partiram do porto de Gênova, na Itália, e chegaram ao Brasil a bordo do navio italiano Scrivia.

Imigrantes pioneiros.
Imigrantes pioneiros em Nova Trento.

Já a partir de 1875, a colonização tirolesa se concentrou principalmente no Vale do Itajaí, onde, em meados de 1850, colonos alemães haviam se estabelecido por iniciativa de Hermann Otto Blumenau. As relações entre “alemães” e “italianos” foram, na maioria das vezes, pacíficas e harmoniosas, sendo o aspecto religioso um dos mais delicados; os colonos tiroleses e italianos eram católicos, ao passo que muitos colonos alemães eram protestantes. Em um texto sobre o cotidiano na colônia, Dr. Blumenau afirmava em tom moralista sobre os tiroleses e italianos (sobretudo vênetos, lombardos e emilianos) ali instalados:

“Os colonos e imigrantes Tiroleses constituem – após a retirada de alguns preguiçosos e perigosos sujeitos controlados por medidas de austeridade -, em sua grande maioria, um válido contingente da nossa população, sendo amantes da ordem, trabalhadores e econômicos, e desejando a imigração de mais de seus parentes, amigos e concidadãos. Aos italianos desta colônia, ao contrário, em geral não se pode dar o mesmo o mesmo certificado favorável (…)”. [4]

Placa inaugurada pelo Reino da Itália, indicando a região do Tirol (e não do
Placa inaugurada pelo Reino da Itália, indicando a região do Tirol (e não do “Trentino”).

Vários imigrantes italianos haviam combatido em 1866 nas batalhas de unificação em nome do Reino da Itália e do monarca Vitório Emanuel (Vittorio Emmanuele). Na guerra de 1866, a Itália era aliada do Reino da Prússia (futuro Império Alemão) contra o Império Austríaco (que perdeu a Lombardia e o Vêneto, anexadas ao Império Austríaco após a derrota de Napoleão e o congresso de Viena de 1815). As tropas italianas, guiadas pelo revolucionário Giuseppe Garibaldi haviam tentado anexar o Tirol Italiano ao Reino da Itália, mas sem sucesso. Pouquíssimos tiroleses (uma centena) se alistaram no exército garibaldino, ao passo que alguns milhares combateram contra a Itália na defesa das fronteiras do Tirol, seja nas filas do exército austríaco, como nos corpos voluntários (bersaglieri immatricolati). Na Batalha de Bezzeca (onde Garibaldi foi quase capturado pelos tiroleses e se obrigou a fugir), a retirada italiana marcou o fim da tentativa (provisória) da Casa Real de Savoia de anexar o Tirol aos domínios da Itália. Contudo, a partir de 1875, muitos “soldados de Garibaldi” emigraram para o sul do Brasil, haja vista que a pátria pela qual combateram não mais lhes oferecia condições de sobrevivência e em terras brasileiras encontraram problemas com os colonos tiroleses. Vale lembrar que a imigração vêneta, iniciada em 1875, ocorre nove anos após a anexação do Vêneto ao Reino da Itália.

Sobre a “rivalidade” entre colonos italianos e tiroleses na colônia, afirmava Dr. Blumenau:

“Existe ainda entre os dois grupos, mesmo se falam a mesma língua e quase o mesmo dialeto, uma bem notória antipatia nacional, na qual os italianos odeiam também os alemães, que não se importam com eles, mas se dão bem com os tiroleses”.

Vale lembrar que muitos tiroleses italianos falavam também o alemão e tiveram um importante papel nas relações entre colonos alemães e italianos no Vale do Itajaí, servindo muitas vezes como intérpretes. Nada mais natural em se tratando de uma população como aquela vinda do Tirol Italiano, “mescla” dos mundos latino e germânico. Além disso, na maioria das vezes a relação entre tiroleses e italianos foi pacífica e não foram raros os casamentos entre tiroleses (austríacos) com vênetos ou lombardos (italianos), ou com alemães (se católicos). Vale lembrar que a maior “disputa” se deu no campo religioso, pois os tiroleses e os italianos eram, antes de tudo, católicos. “Ser italiano” significava também “ser católico” e boa parte dos colonos alemães era protestante, o que distanciava este daqueles. A “divisão religiosa” contribuiu profundamente para definir “o que é de alemão” do “que é de italiano” e abriu margem (como se discutirá em outros posts) para estereótipos muito discutíveis.

Certidão de óbito de Santa Paulina, Amabile Visentainer (Wisenteiner em alguns registros de Nova Trento).
Certidão de óbito de Santa Paulina, Amabile Visentainer (Wisenteiner em alguns registros de Nova Trento).

O primeiro povoamento de Nova Trento, fundado em 1875 por tiroleses de Roncegno (Valsugana) se chama Tirol e se localiza atualmente no bairro Claraíba, onde existe a Rua Tirol. Muitos moradores ainda se comunicam segundo o falar valsuganoto, e não poucos possuem ascendência tirolesa e lombarda, pois há alguns poucos quilômetros dali fundou-se a comunidade de Lombardia.

O tirolês da região meridional sempre foi chamado tirolês italiano (em alemão Welschtiroler) por causa de seu idioma e, até então, trentinos eram somente os habitantes de Trento.

Também as canções populares trazidas na imigração faziam referência ao Tirol e aos tiroleses (não a trentinos), como a famosíssima canção La Verginella (ou Verdinela):

Ho girato l’Italia e il Tirol – 2x   [Andei pela Itália e Tirol]  
sol per trovarmi na verginella  
[só para encontrar uma virgenzinha]
ciombaralilalela e viva l’amor!
[tchombaralilalela e viva o amor!]

Verdinella non posso trovare – 2x   [Virgenzinha não posso encontrar]
solo mi basta che la sia bella  
[só me basta que ela seja bela]
cimbaralilalela e viva l’amor!  
[tchombaralilalela e viva o amor!]

I tirolesi son bravi soldati – 2x   [Os tiroleses são bravos soldados]
tutte le notte di sentinela  
[todas as noites de sentinela]
cimbaralilalela e viva l’amor!  
[tchombaralilalela e viva o amor!]

No livro Cancioneiro do imigrante italiano (1975), o autor Victorio Ledra traz uma canção recolhida em Brusque, certamente composta no Brasil, provavelmente por neotrentinos, pois faz referência ao bairro Ponta Fina, em Nova Trento. A música traz uma estrofe que enfatiza o local de origem dos “italianos” de Nova Trento:

Adès che siam qua tuti   [Agora que estamos todos aqui]
Cantemo ai brasiliani  
[cantemos aos brasileiros]
Noialtri sem taliani  
[Nós somos italianos]
venuti dal Tirol  
[vindos do Tirol]

Em seu livro Catolicidades e italianidades- Tramas e poder em Santa Catarina (1875 – 1930), a historiadora catarinense Claricia Otto trata daquela que chama de “tentativas de fazer italianos”, ou seja, as ações dos agentes consulares italianos a partir de 1880 no intuito de criar um sentimento de patriotismo italiano nas colônias, haja vista que muitos imigrantes não demonstravam nenhum interesse quanto aos “valores nacionais”[5].

No caso dos tiroleses, estes demonstravam muito respeito pela figura do imperador austríaco Francisco José (Franz Joseph ou Francesco Giuseppe), mas o faziam muito mais pelo aspecto religioso que político, pois o monarca era um defensor aberto do papado, ao passo que o rei italiano havia declarado guerra ao papa por causa das terras da Igreja e Garibaldi tentou, sem sucesso, assassinar o prelado romano (defendido pela França e que excomungou Vitório Emanuel) .

Tal união entre “Império Austríaco, Tirol e Igreja Católica” fica bem evidente em um trecho do livro História da imigração italiana de Rio dos Cedros (2000), do padre salesiano Victor Vicenzi [6]:

Relato sobre a visita do cônsul austríaco Carlo Bertoni a Rio dos Cedros, em 1903.
Relato sobre a visita do cônsul austríaco Carlo Bertoni à colonia de Rio dos Cedros, em 1903.

No mesmo livro (pag. 71), Pe. Vicenzi trata da presença tirolesa na cidade de Timbó:

“O povoado de Tiroleses, situado no município de Timbó, a sete quilômetros de Rio dos Cedros, escreveu sua história a partir de 1875 e 1876. O lugar é denominado Tiroleses porque os habitantes vieram quase todos de Tirol. (…) Como aconteceu com os demais centros imigratórios, os habitantes do Tirol se encontraram no meio da floresta, sem nenhum recurso e expostos a toda espécie de perigos. O menino Luigi Ossemer, de 12 anos de idade, foi atacado e morto por uma onça, quando ia com o balde buscar água, no lugar onde residia Feliciano Dallabona”.

Ginásio de esportes de Tiroleses, Timbó.
Ginásio de esportes de Tiroleses, Timbó.

O nome da comunidade Tiroleses, em Timbó, faz também referência ao lugar de onde saíram seus fundadores. A igreja local também remete às tradições da terra de origem, porque dedicada ao Sagrado Coração de Jesus, antiga devoção popular tirolesa instituída pelos jesuítas após a consagração de todo o Tirol, ocorrida no século XVII.

No período da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918), as disputas nacionais se acirraram entre tiroleses e italianos no Vale do Itajaí e em Nova Trento, sobretudo após a declaração de guerra da Itália à Áustria, traindo o pacto de aliança e neutralidade. Em algumas comunidades catarinenses, aconteceram discussões e brigas.

Em Botuverá, registra-se um caso de violência durante um concerto animado pela Banda Padre Sabbattini, de Nova Trento, que terminou em briga após um imigrante lombardo (bergamasco) gritar “Viva a Itália!”; os músicos da banda e outros tiroleses que ali se encontravam não aceitaram o brado e até mesmo instrumentos musicais se perderam porque foram usados na pancadaria.

Registro de nascimento em Rodeio 1876
Registro de nascimento de um brasileiro, filho de imigrantes tiroleses radicados em Rodeio, então Colônia Blumenau.

Talvez o caso mais grave tenha sido o atentado à bomba contra moradia dos frades franciscanos em Rio dos Cedros, haja vista que os religiosos alemães se negavam a utilizar material escolar italiano que fizesse qualquer referência nacional à Itália, o que era considerado grave pelos agentes consulares italianos que procuravam promover a italianidade não somente entre os filhos e netos de imigrantes saídos do Reino da Itália, mas também entre as crianças dos tiroleses, que, em sua maioria, continuavam a se considerar austríacos e relutantes quanto ao espírito anticlerical e positivista da unificação italiana. Todavia, algumas congregações religiosas também contribuíram para a difusão do sentimento nacional italiano nas colônias tirolesas, principalmente após a Primeira Guerra Mundial. Em seu livro Noialtri chi parlen tuti en talian, a linguista neotrentina Ivette Marli Boso traz a seguinte informação:

“O interesse recôndito dos jesuítas não era a alfabetização, mas em primeiro lugar a educação religiosa das fileiras de colonos e, em segundo plano, a fortificação do espírito ‘italiano’ daquela gente (coisa inicialmente nada simples com os trentinos, que em sua maioria se sentiam fortemente Tiroleses e em todo caso súditos fieis do imperador austro-húngaro)”. [7]

O uso do adjetivo “tirolês” continuou a ser usado pelos descendentes após a Primeira Guerra Mundial e a anexação do Tirol Meridional à Itália e aparecem em vários documentos, jornais e certidões.

Trecho do jornal O Semeador (1938), editado em Rodeio.
Trecho do jornal O Semeador (1938), editado em Rodeio.

Durante os anos finais da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), as colônias sofreram muitas restrições após a declaração de guerra do governo brasileiro ao Eixo.

Dedicatória presente no livro do escritor neotrentino Walter Piazza (1950).
Dedicatória presente no livro do escritor neotrentino Walter Piazza (1950) recorda o ano de fundação da cidade de Nova Trento.

A política nacionalista  instituída pelo presidente Getúlio Vargas contribuiu profundamente para a perda da memória, do idioma e da identidade dos imigrantes e descendentes oriundos da Alemanha, Áustria, Itália e Japão. A política repressora do governo brasileiro proibiu o uso dos idiomas estrangeiros e chegou ao cúmulo de modificar as inscrições em lápides tumulares na cidade de Nova Trento, originalmente escritas em italiano, fazendo com que as pedras fossem viradas e novas inscrições em português fossem feitas. Nas década de 1950 e 1960, a memória da imigração ainda fazia referência ao Tirol.

Compêndio sobre o município de Rodeio (1997).
Compêndio sobre o município de Rodeio (1997).

No ano de 1997, a prefeitura da cidade de Rodeio publicou um compêndio com dados gerais sobre o município, onde também se divulgava o novo slogan turístico “Vale dos Trentinos”. No capítulo inicial, dedicado à imigração, lemos que os imigrantes eram saídos do “Tirol Trentino” (termo não histórico, mas provavelmente usado para incluir o novo topônimo sem deixar de fazer referência àquele tradicional).

Reportagem do jornal O Trentino (Nova Trento).
Reportagem do jornal O Trentino (Nova Trento).

Uma reportagem publicada há alguns anos no jornal O Trentino, editado em Nova Trento, traz as impressões de Sergio Piffer, visitante da Província de Trento, sobre o povo neotrentino.

A certa altura de seu relato publicado, ele comenta sobre a simpatia do povo que o acolheu e que lhe contava sobre sua origem e sobre a terra natal de seus antepassados que “vieram do Tirol, que na época pertencia à Áustria”.

A referência ao Tirol se encontra também em outros contextos, como na reportagem da edição de número 3 da revista cultural Passatempoesia, publicada em Nova Trento:

Revista Passatempoesia, de Nova Trento.
Revista Passatempoesia, de Nova Trento.

Também o dialeto “italiano” dos imigrantes do Tirol em Santa Catarina era definido “tirolês”. O uso do termo “talian” em SC não deve ser confundido com o idioma Talian, koiné de base vêneta recentemente reconhecida no Brasil como patrimônio cultural.

Site da prefeitura de Botuverá. Referência ao dialeto tirolês.
Site da prefeitura de Botuverá. Referência ao dialeto tirolês ainda falado.

O contexto do uso da palavra “talian” para identificar o dialeto trentino em SC é diverso do contexto da Serra Gaúcha, posi identifica o grupo linguístico italiano, diferenciando-o daquele “alemão”, por conta da marcada presença de descendentes de alemães no Vale do Itajaí. Assim, há quem fale talian (pertence ao grupo linguístico italiano), assim como há quem fale Deitsch ou Deutsch (pertence ao grupo linguístico alemão).

Assim como em Piracicaba, no estado de São Paulo, o uso do termo tirolês para se referir ao dialeto é atestado em Santa Catarina e consta no site da prefeitura de Botuverá.

Em uma entrevista com a suposta “última falante” do dialeto “italiano” de Biguaçu, a entrevistada utiliza o termo “talian” para se referir à língua, mas quando perguntada pelo entrevistador sobre qual seria o nome do dialeto, se “vêneto” ou “trentino”, a entrevistada inicialmente diz não saber, mas em seguida se recorda que sua mãe afirmava ser “tirolesa” e não “taliana”:

Em Santa Catarina, os tiroleses de língua alemã fundaram em 1933 a cidade de Treze Tílias, que se chamou nos primeiros anos Colônia Dreizehnlinden.

Prefeitura de Treze Tílias em estilo arquitetônico tirolês.

Em uma entrevista filmada de 2013, uma das filhas do fundador da colônia, o ex-ministro da agricultura austríaco Andreas Thaler, afirma que seu pai cogitava em batizar a colônia com o nome “Novo Tirol”, mas que não o fez porque soube da existência do nome em outras localidades. Todavia, a cidade é conhecida como “o Tirol brasileiro” por causa da arquitetura predominante, em estilo alpino. Página turística da cidade de Treze Tílias aqui.

Tiroleses no Rio Grande do Sul

A presença tirolesa no Rio Grande do Sul representou 7% da imigração nas áreas coloniais “italianas”, onde a maioria dos imigrantes era oriunda do Vêneto. Alguns registros demonstram que tiroleses de língua alemã se estabeleceram na Colônia Conde D’Eu em 1872 (ao contrário do que costuma dizer a historiografia que fixa a data de 1875).

Imigrante Tirol 1872 RS Conde D Eu
Registro de entrada no Brasil de imigrante tirolês chegado em 1872 e estabelecido na Colônia Conde D’Eu.

Os estudos de Mario Gardelin junto ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, indicam o mês de outubro de 1873 como sendo aquele no qual chegaram as primeiras famílias “italianas” que, na verdade, eram compostas por imigrantes austríacos de língua italiana porque oriundos do Tirol.

Igreja de Novo Tirol (Temerária), em Flores da Cunha.
Igreja de Novo Tirol (Temerária), em Flores da Cunha.

Antes dos tiroleses, imigrantes austríacos de língua alemã, oriundos principalmente da Boêmia, já haviam se instalado, em 1869, na então Província de Rio Grande do Sul. A maioria dos imigrantes tiroleses era das regiões limítrofes com o vêneto: Primiero, Valsugana e Vallagarina. Poucos eram os tiroleses de língua alemã ou de realidade bilíngue, como os cimbros da Vallarsa (al. Brandtal), falantes do alemão cimbro e do dialeto trentino, além de algumas famílias de língua alemã da região de Bozen/Bolzano. O jesuíta Teodoro Amstad registrou a comunidade de Novo Tirol no vale do Rio Caí, muito provavelmente fundada por tiroleses de língua alemã, onde atualmente encontra-se Linha Temerária, pertencente a Nova Petrópolis (por alguns ainda chamada Novo Tirol), com acesso através da estrada (Rua) Tirol.

Os primeiros imigrantes que chegaram a Bento Gonçalves eram tiroleses, passando a viver na Colônia Dona Isabel (Estrada Geral e Leopoldina), habitada quase que exclusivamente por imigrantes austríacos oriundos do Tirol Meridional.

Padre Tiecher - O primeiro pároco da imigração “italiana” foi obrigado a se transferir para outra paróquia porque se declarava austríaco.
Padre Tiecher – O primeiro pároco da imigração “italiana” foi obrigado a se transferir para outra paróquia porque se declarava austríaco.

Também o primeiro pároco da imigração “italiana” foi o austríaco Bartolomeu Tiecher (1848 – 1940), natural de Caldonazzo, no Tirol. Falava o italiano e o alemão e atuou nas colônias Conde d’Eu e Dona Isabel. Por sua postura declaradamente austríaca e religiosa, encontrou forte resistência entre os colonos italianos de inspiração positivista que haviam se estabelecido na região. Após ameaças, Pe. Tiecher tede de se transferir para Garibaldi (então chamada Conde D’Eu), onde atuou junto aos colonos tiroleses. Foi substituído em sua paróquia por outro tirolês, Frei Giovani Fronchetti, que durante algum tempo administrou o jornal Il Colono Italiano que, por sua vez, encontrava ferrenhos “inimigos” nos jornais da comunidade italiana porque, durante a administração de Pe. Fronchetti, Il Colono defendia abertamente a política católica do Império Austro-Húngaro.

Em 1878, o diretor da Colônia Dona Isabel, Armênio de Figueiredo, tecia elogios aos colonos tiroleses:

“os tiroleses sabem ser mais laboriosos e morigerados, preocupam-se mais no caso de satisfazerem o compromisso que têm com o Governo Imperial. É de justiça que eu renda esta homenagem aos tiroleses colonos deste núcleo, porque somente em casos isolados eles em suas reclamações exorbitam, o que não acontece com os italianos (cujo número infelizmente é muito maior), que além de reclamar, não possuem fundo de direito. Exaltam-se e provocam distúrbios” [8].

Relato sobre os tiroleses em Sanaduva.
Relato sobre os tiroleses em Sanaduva.

Vários pesquisadores e escritores do Talian apresentam exemplos sobre a identidade tirolesa no Rio Grande do Sul. No livro Stòria e fròtole [9] (“História e casos”) de Rovílio Costa e Arlindo Battistel (2000). No livro, juntam-se vários depoimentos de diferentes descendentes, com histórias (e “causos”) escritos em talian e textos bem humorados que relatam os vários acontecimentos do cotidiano das colônias. Um dos textos escritos pela Sra. Oliva Todeschini Fronza, da cidade de Sananduva, trata das brigas e disputas existentes entre tiroleses de língua italiana (austríacos) e vênetos (italianos) durante os anos da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) e que permaneceram na tradição oral dos descendentes.

Em um de seus vários livros escritos em talian, El nostro parlar (1993), o professor Darcy Loss Luzzatto, neto de imigrantes tiroleses e vênetos, conta sobre a identidade dos imigrantes tiroleses e sobre as diferenças que haviam entre aqueles e vênetos nos primeiros anos de Bento Gonçalves. No texto intitulado Tirolesi senza bandiera (“tiroleses sem bandeira) – antigo termo depreciativo outrora utilizado pelos italianos para se referir aos tiroleses na Serra Gaúcha -, lemos algumas informações sobre a cultura “veneta” dos tiroleses (assunto para outro post), além de uns comentários que parecem ser mais relacionados às leituras sobre a situação política de Trento, bem como sobre o direito à cidadania italiana, haja vista que o território de Trento fora incorporado à Itália. Um trecho do texto trata da imigração:

“Nte i ùltimi 25 ani de’l sècolo passa gh’è sucedest un vero svodamento de i pìcoli paesi de’l Süd Tirol, o Tirolo Italiano, no solche de quei tiradi su par i Dolomiti, ma anca de quei vicini ai paesi pi grandi come Trento e Rovereto. (…) Sti imigranti, se anca i gavesse léngua e cultura italiana (…) i era sùditi de’ l Impero Àustri-Ungàrico, e cossì, de citadinanza, i era austrìaci”.

(“Nos últimos 25 anos do século passado aconteceu um verdadeiro esvaziamento dos pequenos vilarejos do Tirol Meridional, ou Tirol Italiano, não apenas daqueles próximos às montanhas Dolomitas, mas também daqueles vizinhos às cidades maiores como Trento e Rovereto. (…) Esses imigrantes, mesmo se tivessem língua e cultura italiana (…) eram súditos do Império Austro-Húngaro e, assim, quanto à cidadania, eram austríacos”). [10]

No mesmo livro (pp. 58-59), temos um texto intitulado Diferense e guai fra imigranti italiani (“Diferenças e disputas entre imigrantes italianos”), que afirma ter sido o tempo e a “mistura” o principal fator para a formação de uma cultura taliana, ou seja, própria do contexto da Serra Gaúcha onde se estabeleceram tiroleses, friulanos, vênetos, lombardos e até mesmo uns poucos meridionais vindos de Nápoles (ou do Reino de Nápoles). Da “mistura”, moldou-se aquela que é autentica realidade brasileira porque “taliana” e não mais “italiana”, e as antigas diferenças se perderam com os casamentos mistos e permitiram o “surgimento”, seja da língua talian que da população residente na Serra Gaúcha:

“Júlio Lorenzoni, em seu livro Memórias de um imigrante italiano, diz a certa altura a respeito dos trentinos que fundaram Bento Gonçalves: “Os tiroleses mantiveram sempre a máxima união entre si e um grande apego à sua cara Áustria, demonstrando sempre aversão à Itália e aos italianos… Para que se possa compreender a aversão que alguns tiroleses sempre mantiveram contra o imigrante italiano, basta dizer que essa inimizade continuou, muitas vezes disfarçada, e mesmo durante a Grande Guerra, com manifestações verdadeiramente hostis. Nada adiantavam as relações de parentesco originadas entre italianos e tiroleses; mas, esse será, certamente, o único meio que concorrerá para fazer desaparecer no futuro a repulsa existente entre irmãos de uma mesma Pátria”. Verdadeiramente profético esse último parágrafo. A harmonia foi alcançada através da mescla de “raças”, da unificação do idioma, o talian – mescla de diferentes falares da Itália Setentrional com a inclusão de palavras luso-brasileiras -, da uniformização dos costumes e da religião comum. Embora meu pai fosse belunês, percebi, desde criança, que minha mãe e seus parentes trentinos, os Loss, não tinham os italianos (vênetos, lombardos e friulanos) em melhor conta. Um casamento entre um trentino e um não-trentino não era bem visto. (Provavelmente minha mãe não teria casado com um vêneto se meu avô Loss Domenico, na época, estivesse vivo). A hostilidade em sentido contrário também era verdadeira. Os italianos tampouco simpatizavam com os trentinos, a quem chamavam de tirolesi senza bandiera (tiroleses sem nacionalidade)”.

Registram-se, no entanto, casos de imigrantes tiroleses que colaboraram sem nenhum problema com sociedades italianas no Rio Grande do Sul, como é o caso da Sociedade Italiana de Mútuo Socorro Rainha Margarida, presidida pelo imigrante Domenico Loss, e cuja patrona era a rainha italiana. Mesmo que representassem uma notória minoria, havia, naturalmente, tiroleses que simpatizavam com a ideia da unificação italiana e com a anexação do Tirol Italiano ao Reino da Itália.

Entretanto, os anos em que ocorreu a Primeira Guerra Mundial marcaram profundamente o cotidiano das comunidades tirolesas no Rio Grande do Sul e, como afirmam Luzzatto e Lorenzoni, não foram poucos os casos de hostilidade e violência. Os jornais coloniais (em língua italiana) dividiam as opiniões da população. O jornal Il Colono Italiano, administrado durante certo tempo pelos capuchinhos, não escondia sua opinião pró-Áustria e contra os ideais da unificação italiana (anti-clerical), ao passo que os jornais Città di Caxias e Corriere d’Italia escreviam artigos contra a Áustria e provocações contra os tiroleses.

Anúncio sobre o jornal Il Trentino no jornal A Gazeta do Commercio, editado em Joinville (1917).
Em 1917, o jornal de Joinville A Gazeta do Commercio anunciava o recebimento de exemplares do jornal Il Trentino da colônia austríaca, editado em Porto Alegre.

Registra-se o uso de “trentino” no jornal Il Trentino, publicado em Porto Alegre por iniciativa de G. Andreatti. Iniciado em 1915, parece ter sobrevivido até 1917, quando mudou seu nome para Áustria Nova. Circulou pelas comunidades tirolesas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, publicando textos em italiano (principalmente), alemão e português. O nome do jornal parece fazer referência à cidade de Trento, pois o adjetivo tirolesi está presente nos textos que falam, inclusive, de trentini e triestini (ou seja: habitantes das cidades de Trento e Trieste que a Itália reivindicava). Il Trentino afirmava ser o “único jornal da comunidade austríaca no Brasil” e sobreviveu até 1917, ano da declaração de guerra do governo brasileiro contra o Império Alemão, aliado do Império Austro-Húngaro.

Em Caxias do Sul, os imigrantes tiroleses representavam mais de 25% da população que falava italiano. Três travessões da colônia eram habitados por tiroleses: Trentino, São Virgílio e Tirolês. Em Caxias existe o Monumento aos Tiroleses, erguido em 1977 por iniciativa de descendentes residentes na comunidade da Segunda Légua e que organizaram uma comissão para homenagear seus antepassados. Uma entrevista feita com a responsável pelo Museu Casa de Pedra, Sra. Maria Clari Frigeri Horn, e publicada pelo Jornal Correio do Povo em 1996, traz informações sobre a construção do monumento:

“Trata-se de uma iniciativa dos descendentes tiroleses, isto é, da atual província italiana de Trento, mas que, à época da colonização (e até 1918), esteve integrando o Império austríaco. Os tiroleses constituíram um grupo numeroso dentro da colonização. (…) Sobrevindo o centenário da imigração. os tiroleses uniram-se numa sociedade local, dirigida pela Sra. Maria Rizzo Moré, e decidiram levantar um monumento à memória dos seus antepassados, antigos súditos de Francisco José, imperador da Áustria. O projeto do monumento é do arquiteto Angelo Guizzo e se inspira nos capitéis de montanha, pequenas ermidas muito comuns no Tirol”.

Monumento aos Tiroleses na Paraça dos Tiroleses, Caxias do Sul.
Monumento aos Tiroleses na Praça dos Tiroleses, Caxias do Sul.

A comissão formada pelos descendentes encontrou algumas dificuldades por parte da comunidade “italiana” de Caxias do Sul, que não aceitou prontamente uma homenagem a imigrantes austríacos e logo tratou de “italianizar” a iniciativa; inicialmente, impedindo a construção na praça próxima à Casa de Pedra (o que não foi possível graças à insistência da comissão), passando, depois, a dar um “toque italiano” à iniciativa. Bandeiras italianas foram colocadas pela praça, juntamente com bandeiras austríacas. O brasão da cidade de Trento foi coberto com uma bandeira italiana e inaugurado pelas autoridades, ao passo que a coroa de flores colocada pelas crianças representando os descendentes continha as cores vermelha e branca (do Tirol e da bandeira da Áustria). Sutilezas de uma relação que parecia ainda não estar totalmente resolvida:

Momentos da inauguração do Monumento aos Tiroleses.
Momentos da inauguração do monumento aos Tiroleses.

A cidade de Flores da Cunha também foi fundada por tiroleses chegados em 1876, aos quais se juntaram vênetos. No entanto, a região recebeu mais colonos a partir de 1878 e ali se fundaram as comunidade de São Pedro e São José que, em 1885 formavam juntas a Vila de Nova Trento, homenageando a capital do Tirol Italiano por conta do grande número de imigrantes tiroleses. Emancipou-se de Caxias do Sul em 1924 e teve seu nome alterado em 1935 para Flores da Cunha (homenagem ao então governador do estado).

Assim como em outras cidades gaúchas, a memória da imigração fazia referência ao Tirol, e tal imigração não se afirmava “trentina” mesmo se o antigo nome da cidade já fosse Nova Trento. Como exemplo, vemos o disco do Coral Nova Trento:

Disco
Disco Nova Trento canta, com integrantes utilizando vestimentas inspiradas nos trajes típicos do Tirol.

O site oficial da prefeitura de Bento Gonçalves informa corretamente a procedência dos fundadores da cidade: “do Tirol Austríaco e do Vêneto”.

Site da prefeitura de Bento Gonçalves. Imigrantes "do Tirol Austríaco e do Vêneto".
Site da prefeitura de Bento Gonçalves cita imigrantes “do Tirol Austríaco e do Vêneto”.

Embora tenham sido os primeiros a colonizar a região, em poucos anos os tiroleses representavam uma minoria, haja vista a grande quantidade de vênetos que chegou a partir de 1875.

Página da Vinicola Dom Candido, em Bento Gonçalves.
Página da Vinicola Dom Candido, de Bento Gonçalves, que cita o Tirol Italiano.

Seus usos, costumes e dialeto se mesclaram aos dos colonos vênetos, contribuindo para a formação do idioma talian, koiné de base vêneta que parece não ter permitido (naturalmente por uma questão linguística) a manutenção do vocabulário de origem germânica presente nos falares do Tirol Italiano (ver parte 2 desta séria de posts) e que se encontra ainda no dialeto trentino falado nas comunidades tirolesas dos estados de Santa Catarina e São Paulo.

Restaurante Tirolês Pignatella, em Bento Gonçalves.
Restaurante Tirolês Pignatella, em Bento Gonçalves (link).

O adjetivo “tirolês” é usado por muitos descendentes (sobretudo nas zonas rurais) do Rio Grande do Sul para identificar os imigrantes que se estabeleceram na região serrana. Muitos descendentes fazem referências ao Tirol quando indicam a região de procedência de seus antepassados. Em Bento Gonçalves, os sabores típicos também recordam os imigrantes: o Restaurante Tirolês Pignatella oferece pratos tradicionais da imigração e da região tirolesa, assim como o Restaurante Valle Rustico (link). Em Porto Alegre, existe o Restaurante Tirol, criado em 1987 por iniciativa dos irmãos Gianotti (link).

De “Tiroleses” a “Trentinos”: um processo natural?

15ª Festa Trentina (2004) em Rio dos Cedros - SC (bandeira do Tirol).
15ª Festa Trentina (2004) em Rio dos Cedros – SC. Integrante do coro Compagni Trentini com a bandeira do Tirol.

Em todas as regiões do Brasil onde houve imigração tirolesa, o termo “trentino” para se referir aos descendentes de tiroleses é uma realidade recente, “datada” e que remete, geralmente, à décadas de 1970-1980.

Até então, o que havia no Brasil eram descendentes de Tiroleses. Jamais o uso do termo “tirolês” renegou o uso de “trentino”, mas trata-se de uma questão de uso do adjetivo pátrio baseado na tradição, ou seja, no próprio uso em si entre os descendentes e demais brasileiros. Ainda que muitos imigrantes tiroleses tivessem abdicado da cidadania austríaca para poderem emigrar, no Brasil eles demonstraram seu patriotismo principalmente nos anos da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) e tal identidade está documentada em todos os estados onde houve colonização tirolesa. Isso significa que a identidade austríaca dos tiroleses de língua italiana se preservou no Brasil e, apesar de todas as dificuldades encontradas, manteve-se mesmo 40 anos após a chegada dos primeiros imigrantes (entre 1873 e 1875).

Mas não somente. Como se vê, a memória “tirolesa” atravessou todas as intempéries às quais foi sujeitada: o período nacionalista de Getúlio Vargas durante e após a Segunda Guerra Mundial, a modernidade que chegou com a difusão dos meios de comunicação e chegou às décadas de 1970 e 1980 referindo-se ao Tirol dos imigrantes. Como se vê, o uso do adjetivo “tirolês” é documentado.

Por sua vez, o uso do termo “trentino” entre os descendentes de tiroleses faz parte do contexto “cultural” ad hoc estabelecido a partir de 1970 no contato das comunidades com associações italianas (Ongs) sediadas na província autônoma de Trento. Independentemente se estes se consideravam descendentes de austríacos ou italianos, a memória dos mais velhos fazia referência ao Tirol e à Áustria, por conta de um simples fato: os imigrantes saídos do Tirol antes de 1918 eram cidadãos austríacos.

Em todas as comunidades tirolesas desde o Espírito Santo até o Rio Grande do Sul, o uso do adjetivo “trentino” em contraposição a “tirolês” está indiscutivelmente associado à fundação de Círculos Trentinos ou Famílias Trentinas, bem como às representações de Ongs italianas sediadas em Trento responsáveis pelo contato com os descendentes espalhados pelo mundo [11]. Como se verá em outros posts, o uso do adjetivo “trentino” se fez (e se faz) muitas vezes renegando o adjetivo “tirolês”, que sempre foi usado no contexto histórico e cultural dos descendentes, principalmente dos mais velhos.

Trentini nel Mondo - Revista sobre imigração
Edição sobre a imigração realizada pela Ong italiana “Trentini nel Mondo”, distribuída em 1975 em várias cidades do e utilizando o adjetivo “trentino”.

O Tirol é uma região histórica entre o norte da Itália e o sul da Áustria., pois já no final do séuclo XIX, o movimento político que pretendia a anexação do Tirol Meridional ao Reino da Itália, conhecido como irredentismo (passando a ideia de trazer a “redenção”), negava-se a utilizar o topônimo tradicional “Tirol”, referindo-se ao Tirol Italiano como “Trentino” e à parte alemã entre o Passo do Brenner até a cidade de Salurn como “Alto Ádige”. Todavia, sobre o uso válido e autêntico do topônimo Tirol, publicava a Revista Geográfica Italiana de 1909:

“È giustissimo, perché in uso e storicamente esatto, chiamare col nome regionale Tirolo anche il Trentino”.

(“É justíssimo, porque em uso e historicamente exato, chamar com o nome regional ‘Tirol’ também o Trentino”)

Indicar o Tirol na Itália não é nenhum equívoco geográfico, pois parte do território tirolês se localiza no norte da península conhecida há séculos como Itália e cuja cultura “italiana” (ou itálica) também faz parte do contexto cultural tirolês.

A cidade de Trento retratada em um livro escolar do século XX, que afirma ser o Tirol uma província austríaca localizada na Itália (Península Itálica).
A cidade de Trento retratada em um livro escolar do século XX, que afirma ser o Tirol uma província austríaca localizada na Itália (Península Itálica).

O jornal de Trento La Voce Cattolica de 17 de junho de 1860 publicava uma carta de um colono tirolês que se lamentava pela falta de assistência religiosa no Brasil:

“Dopo che abbiamo lasciato la casa patria, il Tirolo e l’Italia, in dieci anni che siamo qui mai e poi mai abbiamo sentito una S. messa”.

(“Depois de termos deixado a casa pátria, o Tirol e a Itália, em dez anos que estamos aqui, nunca, mas nunca assistimos a uma santa missa”).

Aos leitores, a conclusão.


Referências bibliográficas.

Boso. Ivette M. Noialtri chi parlen tuti en talian – Dialetti trentini in Brasile. Trento: FMST, 2002. [7]

Costa, Rovílio & Battistel, Arlindo. Stòria e fròtole. Porto Alegre: Est, 2000. [9]

Grosselli, Renzo Maria. Vincere o Morire. Trento: PAT, 1986. [4]

____. Sa schiavi bianchi a coloni. Un progetto per le fazendas. Trento: PAT, 1987.

____. Dove cresce l’araucaria. Dal Primiero a Novo Tyrol. Trento: PAT, 1989. [2]

____ (org). Trentamila tirolesi in Brasile (atti del convegno). Trento: ARTS, 2005.

____. Colônias Imperiais na Terra do Café. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (tradução), 2008. [1]

____. Noi Tirolesi, sudditi felici di Dom Pedro II. Trento: PAT, 2008. [3]

Luchese, Ângela. Relações do poder: autoridades regionais e imigrantes italianos nas colônias Conde d’Eu, Dona Isabel, Caxias e Alfredo Chaves – 1875 a 1889. Dissertação de mestrado em História. Porto Alegre: PUC, 2001. [8]

Luzzatto, Darcy Loss. El nostro parlar (e outras crônicas). Porto Alegre: Sagra-Luzzatto, 1993. [10]

Otto, Claricia. Catolicidades e italianidades – Tramas e poder em Santa Catarina (1875 – 1930). Florianópolis: Insular, 2006. [5]

Piazza, Walter F. Nova Trento. Florianópilis, 1950.

Prutsch, Ursula. A emigração de austríacos para o Brasil (1876 – 1938). Brasília: Embaixada da Áustria no Brasil, 2011.

Vicenzi, Victor. História da imigração italiana de Rio dos Cedros. Blumenau: Odorizzi, 2000. [6]

Trentini nel Mondo. La storia leggendaria dei trentini in Brasile. Trento: Alcione, 1975. [11]

Para consulta:

Altmayer Leopoldino, Everton. O dialeto trentino da Colônia Tirolesa de Piracicaba. Tese de doutorado em Língua e Cultura Italiana. São Paulo: USP, 2014. Link.

Corrêa, Marcelo Armellini. Dos Alpes do Tirol à Serra Gaúcha: a questão da identidade dos imigrantes trentinos no Rio Grande do Sul (1875 – 1918). Dissertação de Mestrado em História. São Leopoldo: Unisinos, 2014. Link.

Blog “Memória” de Rodrigo Lopes (Jornal Pioneiro). Link.

16 comentários em “Somos tiroleses – parte 3”

  1. Inicialmente quero parabeniza-lo pelo excelente trabalho que tens feito no sentido de difundir o sentimento “tirolês” e conscientizar a comunidade trentino-brasileira de suas origens históricas. Tenho acompanhado as suas publicações sempre ricas em informações e argumentos históricos. Sem qualquer desmerecimento ao brilhante trabalho publicado, quero me reportar ao “Mi son tirolês – parte 3” e fazer uma pequena correção em relação ao atentado sofrido pelos frades franciscanos. O atentado a bomba na realidade aconteceu na igreja de Rio dos Cedros (e não de Rodeio) em 29 de novembro de 1911. As razões do dito atentado possivelmente são consequência de uma sucessão de acontecimentos controversos, mas o estopim certamente foi a disputa pelas escolas. De um lado os frades franciscanos que viam como uma ameaça ao seu enorme poder de influencia, a perda das chamadas “escolas paroquiais” cujo currículo eles determinavam e lhes permitia um rígido controle sobre as comunidades e do lado oposto o governo italiano decidido a fortalecer sua hegemonia através da difusão do sentimento de italianidade, do ensino da língua e da cultura italianas. Como os frades não se dispuseram a aceitar o uso das “escolas paroquiais” que eles dominavam, para que o governo italiano difundisse sua política, este decidiu montar um sistema escolar paralelo com as chamadas “escolas Dante Alighieri”. Foi criada uma comissão composta por alguns intelectuais e líderes comunitários com Ermembergo Pellizzetti (italiano de Mantova); Giovanni Rossi (de Pisa); Aleandro Lenzi (tirolês de Samone) empresário e político, entre outros líderes. Algumas unidades escolares chegaram a funcionar em Ascurra e Rio dos Cedros (no caminho tiroleses). Nos livros “As Primeiras Famílias Trentinas de Rio dos Cedros” (2a. edição) de Pe. Mario Bonatti e Mauro Lenzi, assim como no livro “Catolicidades e Italianidades” de Claricia Otto há detalhes destes episódios.

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    1. Adorei o conteúdo publicado. Gostaria muito de adquirir os livros ” As primeiras Famílias trentinas de Rio dos Cedros” do Pe. Mario Bonatti e Mauro Lenzi. Poderiam me dizer onde ou como posso conseguí-lo? Obrigada!

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  2. Prezado Mauro Lenzi:
    Muito obrigado! Tem toda razão e já alterei o nome da cidade citada no texto. Foi em “Rio Cedro”, com certeza. Realmente, os franciscanos “perderiam terreno” em Rio dos Cedros com o discurso “conservador”, enquanto agentes consulares e imigrantes inspirados nos ideais da Unificação italiana traziam para dentro das colônias sua influência política, preocupando-se em difundir sentimentos que podemos chamar de alheios à realidade cultural e política do Tirol Italiano (mas também de boa parte do Vêneto e Lombardia). Teria sido realmente o Sr. Ermembergo Pellizzetti o autor (mandante) do atentado? Existem provas sobre a autoria? O jornal Blumenauer Zeitung reportou o acontecido, assim como o jornal L’Amico. Havia também um imigrante de sobrenome Dorigatti que, assim como Lenzi, teria sido bastante influenciado pelas ideias anticlericais do imigrante Giovanni Rossi. Fato é que havia entre tais líderes comunitários um sentimento ferrenhamente oposto àquele da atuação religiosa dos franciscanos alemães, por motivos bastante óbvios do ponto de vista histórico.
    Quanto ao aspecto da identidade tirolesa propriamente dita, esta se documenta, sobretudo, no fato de o “sentimento tirolês” ter sobrevivido no imaginário das colônias “italianas” do Vale do Itajaí mesmo após as duas guerras mundiais e a nacionalização de Vargas. Aflorou-se no período da Primeira Guerra Mundial (que “dividia” comunidades e famílias, sobretudo aquelas fundadas em casamentos mistos entre tiroleses e italianos) e parece ter sobrevivido na “memória coletiva” até a fundação dos círculos trentinos locais, que traziam novas influências e ideias sobre a “trentinidade”. Nesse sentido, nosso intuito é mais aquele de evidenciar tais informações históricas e sociais partindo do princípio que a história de uma comunidade passa também pela identidade que se documenta (ou se conta) a partir de fatos por vezes “esquecidos” e – não raras vezes – omitidos.
    Escolas “Dante Alighieri” (ou inspiradas em seu modelo nacionalista) existiram não só no Vale do Itajaí, mas em outras localidades e também no Tirol Meridional (ainda unido à Áustria), onde professores italianos engajados na “causa nacional” italiana difundiam ideias irredentistas e, como se sabe, encontraram forte resistência. A difusão de “italianidade” (política) não se fez somente com ações “leigas”, haja vista que também missionários italianos contribuíam para distanciar os colonos tiroleses da veneração política à figura do Imperador Francisco José da Áustria. Em Nova Trento, encontravam resistência dos colonos tiroleses.
    Tenho os dois livros que o Sr. cita, e aquele vosso sobre as famílias riocedrenses foi um presente do amigo Pe. Mário. O de Otto (fruto de estudos acadêmicos) é rico em detalhes assim como o seu e ambos ajudarão em muitos posts deste Blog.
    Atenciosamente,
    Everton Altmayer

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    1. Bom dia, como posso encontrar listas de imigrantes ? Procuro família Monegaglia que a princípio foram para Bruges, e família Stelf ou Stelzer/Stolf/ Stelt… em cada registro encontro escrito de maneira diferente. Será que em alguns destes livros poso encontrar algo ? Grata

      Paula

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      1. Paula Christina, tudo bem?
        Me “atrevo” a responder de acordo com algumas pesquisas que fiz. Se se trata da Família Stolf (que a princípio não parece ser a mesma de Stelzer), se trata de uma família do Comune di Fornace – Tirol, atual Trentino (outras famílias dessa mesma região: Scarpa/Caresia/Lorenzi, ecc). Um bom ponto de partida, se tens encontrado dificuldades de montar o “quebra-cabeça” é a genealogia… Boa sorte nas pesquisas. E se for desta família que citei, apostaria no contato com o Comune di Fornace.
        Saudações,

        Gustavo.

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      2. Muito obrigada Gustavo ! Aqui no Brasil cada registro vem escrito em um nome. Recebi da Itália a notícia que o nome de Elisabetta Sltelzel , filha não de Jacob, mas sim de GIACOMO STELZEL e Maria ZOCCHI, minha tataravó Elisabetta nasceu em Padova, mas ainda não consegui encontrar os registros .Vou continuar minha busca contando com um pouco de sorte ! Te agradeço as dicas e ajuda !
        Elisabetta casou com meu tataravô Giovanni Giuseppe Alessandro Monegaglia, ( de Calliano) porém também não descobri o registro do casamento deles ainda.
        Atenciosamente

        Paula

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  3. Boa tarde Prezado

    Me chamo Alessandro Candido (25 anos), sou descendente de tiroleses pelo lado materno (Ecker, Boccher, Gozzer, Tomio, Armelini).

    Cresci com meus avós, então falo e compreendo o dialeto, inclusive tenho varias anotações das palavras mais usadas pelos meus avós em vida. Minha mãe é neta de tiroleses.

    Meus avós sempre consideraram serem tiroleses ambos, mas meu avô dizia ser italiano e minha avó austríaca, mesmo sendo da mesma região de origem. Eles explicavam que se devia ao fato do sobrenome: minha avó austriaca Ecker e meu avô italiano Tomio.

    Quanto ao idioma, era o dialeto. Meu avô dizia que era lingua italiana mas que se chamava tirolês também, minha avó dizia que era lingua tirolesa.

    Mas, os pais deles eram bilingues: falavam italiano e alemão.

    Bem, a minha avó fazia o “cráuti” que é o chucrute, que é tradição de familia.

    Na verdade, o que valem são os documentos: consta Áustria e Tyrol.

    Nos sentimos austríacos e tiroleses, mesmo de lingua italiana. Mas sabemos que meus bisavós também falavam alemão, então se sentiam tiroleses.

    Att;
    Alessandro

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    1. Prezado Alessandro:
      As informações sobre sua família condizem com aquilo que temos apresentado neste Blog. Os tiroleses podem ter sobrenomes alemães ou italianos, podem falar alemão ou italiano, mas eram imigrantes austríacos porque o Tirol é uma região trilíngue e até 1918 esteve unido em um Império multiétnico e plurilíngue.
      Obrigado por compartilhar conosco sua realidade familiar.
      Um abraço
      Everton Altmayer

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  4. Gostaria de saber alguma informação sobre a ida de tiroleses saídos da fazenda Sete Quedas para a cidade de Mogi das Cruzes, pois sei que meus bisavós(Pedro e Adelaide de Carli) foram colonos dessa fazenda, depois de saírem de Trento e após de fixaram em terras no município de Mogi das Cruzes.

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    1. Prezada Sra. Fantini:
      o sociólogo/historiador Renzo Grosselli publicou a lista dos imigrantes austríacos que trabalharam na fazenda Sete Quedas em seu livro “Da schiavi bianchi a coloni”.Talvez ali constem mais dados sobre seus antepassados tiroleses.
      Att.

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  5. Auguroni, Professor, Escritor Everton, por este maravilhoso BLOG sobre os Tiroleses. Não resta dúvida q após 1920 pelo tratado de guerra entre a Itália(vitoriosa), e o EX- Império Autro Hungárico passamos a pertencer a República Italiana(inclusive eu mesmo tenho a Cidadania desde 2008), agora fechada aos descendentes de Tiroleses, discordando plenamente pessoalmente. Porém não importa a imposição Italiana tb bem vinda, se nossas RAIZES continuam TIROLESAS. O q devemos é mante-las VIVAS e continuar a cultivar nossas tradições com o DIALETO como depois de 142 anos continuamos a falar aqui em RODEIO SC. BACCI E ABBRACCI.
    ORLANDO GIRARDI, Citadino Rodeense Tiroles.
    orlando@ogcl.com.br

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    1. Caro Orlando Girardi:
      Obrigado pelo comentário! O nosso intuito com o Blog é exatamente esse: demonstrar que os imigrantes tiroleses deixaram um legado cultural que vale a pena ser conhecido e preservado, independentemente das mudanças e injustiças políticas ocorridas na terra natal após o final da Primeira Guerra Mundial. Esse legado cultural pode, sem dúvida, ajudar os tiroleses europeus a resgatarem suas raízes e identidade que os nacionalismos tentaram extirpar. Por isso a necessidade de ser respeitado e conhecido.O dialeto tirolês (ou trentino) é parte desse legado cultural da imigração tirolesa.
      Um abraço
      Everton Altmayer

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