Em memória de César Nicolodi

O Blog Tiroleses no Brasil presta uma homenagem ao descendente de tiroleses e pesquisador amador César Nicolodi, que faleceu em janeiro de 2024 vítima de um acidente de trânsito.

César Nicolodi (19 de março de 1964 – 24 de janeiro de 2024), era natural de Garibaldi, no Rio Grande do Sul e faleceu aos 59 anos de idade por conta de um trágico acidente de trânsito ocorrido em Paraíso do Sul, RS. César morava atualmente no município gaúcho de Estrela e, recentemente, havia perdido seu pai – o conhecido professor Aldo Nicolodi -, há cerca de 5 meses.

A família Nicolodi descende do pioneiro tirolês Giovanni Battista Luigi Nicolodi, natural de Val di Cembra (1848), e que se estabeleceu na localidade de São Roque, pertencente à linha Figueira de Melo, na antiga Colônia Conde d’Eu, atual cidade de Garibaldi. A região recebeu um considerável número de imigrantes austríacos do Tirol e a família Nicolodi veio com a primeira grande leva de tiroleses que se estabeleceu no estado do Rio Grande do Sul, liderados pelo padre tirolês Bartolameo Tiecher.

César foi um incansável pesquisador da genealogia gaúcha, catalogando e identificando as famílias austríacas do Tirol (Trento) e as famílias italianas do Vêneto e da Lombardia. Em suas pesquisas trazia aspectos relacionados aos valores, costumes e tradições dos imigrantes e criou uma página em homenagem à matriarca Domenica Caset Bagattini, tetravó do pesquisador gaúcho César Girardi. Fez importantes pesquisas sobre os pioneiros tiroleses Bagattini, de Zambana, e Nicolodi, de Cembra, avançando em várias gerações. Possuía um grande acervo de genealogia e fotos sobre a família Bagattini de Zambana e demais famílias relacionadas (tirolesas e italianas). Com César Girardi, trocava muitas informações, unindo esforços para buscar os batismos dos antepassados tiroleses, comparando-os às informações e registros existentes no banco de dados do famoso site “Nati in Trentino” ou, ainda, estabelecendo contatos com o Archivio Tridentino para, dessa forma, saber de qual paese (vilarejo) vieram os imigrantes, de modo a e conectá-los ao Tirol de nossas raízes.

César se dedicou por vários anos a fotografar os registros presentes nos túmulos, em diversos cemitérios coloniais e foi durante uma de suas idas de trabalho voluntário (que havia se transformado em um verdadeiro passatempo pessoal), que César sofreu um acidente que lhe ceifou a vida. Ele fez um grande levantamento de cemitérios coloniais no estado do Rio Grande do Sul, incluindo os registros de túmulos e sobrenomes nos antigos cemitérios abandonados; organizou um tombamento digital de lápides para preservar a história e a genealogia de nossos pioneiros, “salvando” digitalmente essa parte de nossa história, uma vez que ela se deteriora não apenas pelo tempo, mas também por conta do abandono, vandalismos, enchentes e demais fatores que podem destruir cemitérios e lápides antigas. César as fotografou antes disso, de modo que ficam preservadas digitalmente, ainda que algumas delas já não existam mais.

Sobre esse assunto, César Nicolodi registrara o seguinte:

“Em 2010 ocorreu uma grande tragédia, iniciada com as chuvas que aumentaram o nível do Rio Fão. Galhos, pedras e detritos, acabaram formando uma barragem natural no local onde existia uma ponte (bem baixa) sobre o Rio Fão, entre Marques de Souza e Fontoura Xavier (Barra do Duduia). Quando essa barragem natural rompeu, um volume imenso de água começou a descer pelo Rio Fão, encontrando, mais à frente, o Rio Forqueta, e seguindo com a destruição, até esse imenso volume de água chegar ao Rio Taquari. Cemitérios foram levados embora, inclusive um cemitério abandonado à beira do Rio Fão (antes da localidade de Vasco Bandeira), que continha sepulturas muito antigas. Hoje, com a tragédia das enchentes do Taquari, provavelmente muitos cemitérios tenham sofrido o mesmo problema. O cemitério de Muçum fica na beira do Rio Taquari, assim como alguns do interior. O vandalismo, puro e simples, a depredação buscando vender itens das lápides, o sol, chuva, vento e as tragédias naturais, fazem com que se perca parte importantíssima da nossa história. Eu procuro, há anos, por meus antepassados Angelo Manica e Racchele Graziola. Eles poderiam estar nesse cemitério abandoando do Fão. Se estavam ali, nunca mais os encontrarei, pois na época do desastre da inundação, eu não havia iniciado a fotografar. Fotografar é de suma importância. A História agradece”.

César dedicou especial atenção para localizar o antigo cemitério abandonado e soterrado da localidade de Sant’Anna, na linha Figueira de Melo, em Garibaldi. Ali, falou com moradores antigos e localizou a área onde foram sepultados vários pioneiros tiroleses fundadores da localidade, tais como Domenica Caset Bagattini (trisavó de César Girardi) Luciano Tonidandel e Rosa Bagattini (bisavós de Girardi), Francesco Zanoni, como também imigrantes italianos de Mestre, Veneza, como Giacinto e Speridione De Lazzari e Anna Girardi. Essas lápides, infelizmente não puderam ser fotografadas, pois simplesmente não existem mais.

Dentre as famílias austríacas do Tirol, destacam-se os Nicolodi de Cembra e os Girardi de Civezzano e Fornace. Ambas são famílias pioneiras que vieram para a localidade de São Roque da linha Figueira de Melo, na antiga colônia Conde d”Eu (hoje Garibaldi). Vieram juntas e se estabeleceram em lotes vizinhos, junto à igreja de São Roque. Os patriarcas Giovanni Battista Luigi Nicolodi e Giovanni Battista Giacomo Girardi casaram os filhos Giocondo Girardi e Luigia Nicolodi, unindo suas famílias.

Por volta de 2017, durante pesquisas sobre esse casamento, o também pesquisador gaúcho César Girardi procurava pela esposa do Giocondo Girardi, enquanto César Nicolodi procurava os registros do esposo de Luigia Nicolodi e foi assim, em meio a pesquisas, que os dois Césares (cujos antepassados são os mesmos), se encontraram por um feliz acaso na Internet, tornando-se amigos e colaboradores nas pesquisas. Mais de 140 anos depois, dois descendentes com os mesmos nomes estudavam juntos sobre a genealogia de dois imigrantes tiroleses com o mesmo nome: Giovanni Battista, unindo forças para recontarem as histórias de seus antepassados.

César Girardi foi então convidado por César Nicolodi para participar da página do Facebook “Le nostre radici – Le nòsse radize”, e foi assim que passaram a colaborar em incansáveis pesquisas. Durante esse tempo, mantiveram contatos quase que diários, trocando informações sobre genealogia, tradições tirolesas, dialeto, culinária etc. Por ter crescido na linha Figueira de Melo, onde se concentrou o maior numero de tiroleses da atual cidade de Garibaldi, César Nicolodi tinha um grande conhecimento acerca dos costumes, do dialeto e das histórias familiares da localidade. Esse conhecimento das pessoas que ali viviam trouxe ao amigo César Girardi informações inéditas que ele muito dificilmente descobriria por conta própria como, por exemplo, que o professor Aldo Nicolodi, pai de César, sabia até mesmo o apelido do sobrinho do nonno (avô) de César Girardi, Severino Girardi, que era criador de abelhas na linha Figueira de Melo, conhecido na região pela alcunha de “maschio de le ave” (“zangão das abelhas”).

No último dia do ano de 2023, César relembrou sua infância com seu pai, falecido em agosto daquele ano, escrevendo sobre o cotidiano da vida colonial:

“Uma boa lembrança de meu pai, Aldo NICOLODI. Meus pais eram professores. Em 1970 morávamos em Marcorama, Garibaldi, RS. Na localidade vizinha de São Sebastião, era professor o senhor Tercílio Carniel. Esse professor convidou meu pai para ir à uma festa que iria acontecer na comunidade. Marcorama (antiga São Marcos) fica à 5km de São Sebastião. Eu, meu pai e meu irmão Cícero, fomos a pé até lá. Na volta, meu pai colocava um de nós dois sentados nos ombros (a gente chamava de “andar de cavalinho”) e corria um pouco. Fez isso várias vezes alternando entre eu e meu irmão. Temos que valorizar as boas lembranças”.

César Nicolodi participou também do vídeo em comemoração aos 160 anos de imigração tirolesa no Brasil, realizado por este blog no ano de 2018, gravando a frase “mi son Tiroles de Garibaldi, Rio Grande do Sul” (“eu sou tirolês de Garibaldi, RS”) no quintal da propriedade da família.

César Nicolodi deixa sua esposa, dois filhos, sua mãe e irmãos. Descanse em paz, César, e obrigado por suas pesquisas e por sua cultura!

R.I.P.

César Girardi & Everton Altmayer

Fotos: acervo e pesquisas de César Girardi

4 comentários em “Em memória de César Nicolodi”

  1. Perdeu-se um entusista reconstrutor da história de muitas antepassados Trentinos/Tiroleses, dos quais também sou descendente e pesquisador há mais de 40 anos. Tinha contato com ele.

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