1873 – 2023: 150 anos de imigração “trentina” no Rio Grande do Sul – mas os primeiros tiroleses chegaram em 1868!

Os registros históricos demonstram que o ano de 2023 marcou os 150 anos de imigração “trentina” no Rio Grande do Sul, iniciada em 1873 com a chegada de tiroleses de língua italiana à Serra Gaúcha, oriundos do antigo Império Austríaco. Todavia, já em 1868, chegaram os primeiros tiroleses de língua alemã.

Documentos de imigrantes e os registros de lotes de terras indicam que a colonização tirolesa em terras gaúchas se iniciou em 1868, com a chegada da família Campani, natural de Innsbruck, e cujo sobrenome é originário da região trentina do Tirol.

Autores gaúchos confirmam que os primeiros imigrantes falantes do idioma italiano no Rio Grande do Sul eram tiroleses, saídos da região trentina. Os estudos de Mario Gardelin junto ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul indicam o mês de outubro de 1873 como sendo aquele no qual chegaram as primeiras famílias “italianas” que, na verdade, eram compostas por austríacos de língua italiana oriundos do Tirol.

Em 28 de outubro de 1989, o jornal Folha de Caxias publicava os sobrenomes dos primeiros imigrantes de língua italiana na Serra Gaúcha, chegados em 1873. Eram tiroleses da região trentina.

Muito se fala (erroneamente) sobre o ano de 1875 “marcar o início da imigração trentina no Rio Grande do Sul”. Na verdade, os primeiros tiroleses italianos, que nem se declaravam “trentinos”, chegaram dois anos antes, mas não foram os primeiros tiroleses, haja vista que já em 1868 se registrava a presença dos pioneiros.

A partir de 1875 vieram os primeiros imigrantes italianos, saídos principalmente de regiões do Vêneto e da Lombardia, no antigo Reino da Itália. O ano de 1875 marca também a chegada de um número considerável de imigrantes tiroleses ao Brasil. O processo de imigração e colonização continuou por mais de uma década, modificando a paisagem local e dando origem a várias cidades e comunidades rurais na Serra Gaúcha.

Os pioneiros da colonização local foram os alemães, vindos de diferentes regiões da atual Alemanha, de demais territórios que outrora faziam parte do Reino da Prússia e até mesmo do Império Russo (alemães do Volga).

Os austríacos, dentre eles os tiroleses da região de Trento, formaram o primeiro grupo de colonos de língua italiana, mas em pouco tempo se tornaram uma “minoria” em meio ao grande número de imigrantes italianos (sobretudo vênetos e lombardos) que se estabeleciam gradativamente nas colônias imperiais da Serra Gaúcha.

As pesquisas genealógicas de César Girardi, colaborador do Blog Tiroleses no Brasil e responsável pela página do Facebook “Le nostre radici / Le nòsse radize”, têm ajudado muitos descendentes a descobrirem sua história familiar, bem como a cultura e a identidade de seus antepassados.

Registro de chegada da Família Campani, natural do Tirol, em 1868. Eram oriundos de Innsbruck e com sobrenome originário da região trentina.

O jesuíta Teodoro Amstad registrou a comunidade de Novo Tirol no vale do Rio Caí, fundada por imigrantes de língua alemã, onde atualmente encontra-se Linha Temerária, pertencente a Nova Petrópolis (por alguns ainda chamada Novo Tirol), com acesso através da estrada (Rua) Tirol. Os tiroleses de língua alemã se instalaram naquela localidade, tendo sido os Campani os pioneiros.

Igreja de Novo Tirol (Temerária).

Os Campani residiam em Innsbruck quando emigraram em 1868 e falavam o alemão, porém seu sobrenome denota sua origem na região trentina do Tirol. Vale lembrar que, sendo uma província única do Império Austríaco, era absolutamente comum que tiroleses de língua alemã e italiana convivessem entre si, pois trabalhavam juntos e se casavam entre si. A realidade de bilinguismo alemão-italiano era normal e boa parte dos imigrantes tiroleses que chegaram ao Brasil eram bilíngues.

Os primeiros imigrantes tiroleses na antiga Colônia Conde D’Eu (atual cidade de Garibaldi) eram de língua alemã, da família Eckhard, chegados em 1872.

Registro de chegada em 1872 da família tirolesa Eckhard, que se estabeleceu na antica Colônia Conde D’Eu, atual cidade de Garibaldi, RS.

Os primeiros tiroleses de língua italiana que chegaram a Bento Gonçalves em 1873 passaram a viver na Colônia Dona Isabel (Estrada Geral e Leopoldina). A região já possuía imigrantes de língua alemã.

O imigrante tirolês Giuseppe Luigi Nicoletti, natural de Sporminore no Tirol e considerado o fundador da cidade gaúcha de Gramado.

Os tiroleses nunca abandonaram seus costumes de montanha e sua fidelidade ao Império Austríaco. Muitos dos renomados imigrantes que hoje são classificados como “italianos” eram, na verdade, oriundos da antiga Áustria, onde o idioma italiano era oficial. Vale lembrar que a região trentina do Tirol é de língua italiana e, por isso, os imigrantes tiroleses (trentinos) eram alfabetizados no idioma italiano.

Em 1975 o Rio Grande do Sul festejou o centenário da imigração italiana com diversos eventos culturais. Realmente, os imigrantes italianos chegaram em 1875, saídos do Reino da Itália. Os descendentes de tiroleses da região trentina não se sentiram homenageados, uma vez que seus antepassados eram de língua italiana, mas oriundos de uma Áustria que não existia mais. Além disso, descendentes das famílias pioneiras chegadas em 1873 também comentavam sobre seus antepassados terem sido os “primeiros italianos”. O que vemos é uma confusão entre “identidade linguística” (italiana) e nacional (austríaca x italiana).

Momentos da inauguração do Monumento aos Tiroleses em Caxias do Sul, no ano de 1975. Alguns organizadores da comissão organizadora do centenário da imigração italiana não concordaram com a iniciativa dos descendentes de tiroleses de terem seu próprio monumento. Naquele tempo, o termo “trentino” quase não era usado pelos descendentes. Como vemos, havia bandeiras do Tirol e da Itália para evitar polêmicas, mas a coroa de flores trazia as flores com as cores da Áustria e os trajes das crianças eram típicos tiroleses.
Monumento aos Tiroleses existente na Praça dos Tiroleses, em Caxias do Sul. Inaugurado em 1975, na placa escrita em italiano lemos a homenagem “agli audaci Tirolesi” (“aos destemidos tiroleses”).

Quando pesquisamos os registros e documentos existentes sobre esses imigrantes, vemos que eles mantinham sua identidade de cidadãos da Áustria e do Tirol. De fato, nos documentos das famílias consta frequentemente Naturalidade: Áustria ou Tirol.

Site da prefeitura de Bento Gonçalves indicando que a cidade foi colonizada por Imigrantes “do Tirol Austríaco e do Vêneto”.

Tiroleses de língua italiana e imigrantes italianos: uma mesma identidade?

Vale lembrar que o território trentino é a parte meridional da região do Tirol, território montanhoso que esteve ligado à Áustria por 555 anos, de 1363 a 1918, e que somente após a Primeira Guerra Mundial (1918) foi dividido, ficando a parte sul do Tirol para a Itália. Portanto, todos os imigrantes que se estabeleceram no Rio Grande do Sul de 1873 a 1919 eram nascidos austríacos e, portanto, imigrantes da Áustria, mesmo se falantes do idioma italiano.

Outro aspecto importante (e que ainda causa certa confusão) é a “renúncia” da cidadania austríaca. Muitos passaportes que sobreviveram ao tempo têm em seu verso uma declaração de renúncia informal da cidadania austríaca. Tratava-se de um tipo de estratégia do Império Austríaco de “frear” o fluxo migratório após as notícias que chegavam na Europa das difíceis condições que os colonos enfrentavam, tais como falta de saneamento básico, moradias precárias, doenças tropicais e ataques de povos indígenas. O principal motivo de tal “renúncia” era a política imperial de Viena que tentava desestimular seus cidadãos a emigrar. As primeiras notícias das péssimas condições chegaram por meio de relatos dos imigrantes alemães, bem como cartas que relatavam as notícias da época e as condições precárias dos navios que transportavam os imigrantes. Não por acaso, o governo brasileiro incentivou a propaganda da emigração na Europa utilizando-se de agentes que tinham por objetivo, dentre outros, desmistificar as notícias negativas sobre as condições de vida nas áreas coloniais brasileiras.

A “renúncia” da cidadania austríaca era feita no verso do passaporte do imigrante. Alguns imigrantes tiroleses retornaram à Áustria anos após terem se estabelecido no Brasil e não tiveram nenhum problema burocrático para voltarem a viver na terra de origem.

Vários pesquisadores e escritores do idioma Talian (língua que se formou no Brasil, de base vêneta e com contribuições fonéticas e lexicais de diversos dialetos do norte da Itália, bem como do português brasileiro e do alemão) apresentam exemplos sobre a identidade tirolesa no Rio Grande do Sul.

O escritor gaúcho Darcy Loss Luzzatto (in memoriam) é considerado o “pai do talian”, um idioma brasileiro de base veneta, formado a partir da mistura de diversos dialetos e grupos linguísticos do norte da Itália, com influências do português brasileiro (com nossas palavras de origem indígena) e do alemão. O talian é falado por milhares de descendentes dos imigrantes do século XIX e Luzzatto é autor de diversos livros que recuperaram o “idioma comum” dos italianos da Serra Gaúcha. Ele próprio era escendente dessa “mistura”, pois seus antepassados pelo lado materno eram tiroleses (família Loss) e beluneses pelo lado paterno. Sobre seus avós tiroleses e a respeito da identidade desses imigrantes, Darcy Loss Luzzatto escreveu o seguinte naquela que ele chamava sua “língua materna”:

“No go mai scoltà me nona Anna dir che la fusse trentina… Ela la zera tirolesa de Caoria ntel Canal San Bovo. E seben che la gàpia passà i ultimi ani insieme ai vèneti qua a La Pinta, parché me pupà l’era belunese, no la ga mai assà là de parlar el tiroles. E a mi me piaseva sentirla contar le storie del Cauriol e del Vanoi col so forte acento tiroles”.

(“Nunca escutei minha avó Anna dizer que ela fosse trentina… Ela era tirolesa de Caoria em Canal San Bovo. E, ainda que ela tenha passado os últimos anos junto aos vênetos aqui em “Pinto Bandeira”, porque meu papai era belunês, ela nunca deixou de falar o tirolês [dialeto trentino]. E a mim agradava ouvi-la contar as histórias do Cauriol [duente da mitologia tirolesa] e de Vanoi com seu forte acento tirolês”).

“Os tiroleses se tornaram trentinos depois da primeira guerra, porque antes eles se diziam, com orgulho, tiroleses. Minha avó Anna Loss nunca disse ser trentina, ela e o vovô, que morreu antes que eu nascesse, diziam-se tiroleses! E ainda que muitos não o saibam, nos primeiros anos – ainda no século 19 – aqui no Sul do Brasil, os tiroleses e os italianos tinham alguns problemas entre si“. (LUZZATTO, Darcy Loss. Tirolesi e Veneti nte i primi de Bento Gonçalves In: O dialeto trentino no Brasil. Blumenau, Nova Letra, 2016)
Entrevista de Darcy Loss Luzzatto em Talian a pesquisadores italianos do Vêneto. No minuto 11′, Luzzatto afirma que os tiroleses (trentinos) festejavam o aniversário do imperador da Áustria em agosto e os italianos tinham sua própria festa em setembro.

Também o primeiro pároco da imigração “italiana” foi um imigrante tirolês e, portanto, austríaco: Bartolomeu Tiecher (1848 – 1940), natural de Caldonazzo. Padre Tiecher falava o italiano e o alemão e atuou nas colônias Conde d’Eu e Dona Isabel. Por sua postura declaradamente austríaca e religiosa, encontrou forte resistência entre alguns colonos italianos que haviam se estabelecido na região a partir de 1875.

Padre Bartolomeo Tiecher – O primeiro pároco da imigração “italiana” era austríaco e liderou um grupo de imigrantes tiroleses que se estabeleceu na Serra Gaúcha. Anos depois, foi praticamente obrigado a se transferir para outra paróquia porque se declarava austríaco, o que lhe causou problemas com a crescente comunidade italiana que se estabelecia na região.

Padre Tiecher liderou através da floresta um grupo de colonos que se estabeleceu na Serra Gaúcha entre 1875 e 1876 e dedicou toda a sua vida ao serviço religioso nas novas comunidades que iam se formando no Rio Grande do Sul. Por falar também a língua alemã (ele foi ordenado na diocese de Trento), padre Tiecher tornou-se, em 1875, capelão da Colônia Santa Maria da Soledade (Forromeco), pertencente ao então município São João de Montenegro, onde havia colonos alemães.

Já em 1876, Bartolomeo Tiecher visitava as comunidades de imigrantes na Colônia Conde D’Eu (atual cidade de Garibaldi), Figueira de Melo, Princesa Isabel (atual cidade de Bento Gonçalves), celebrando as missas a céu aberto ou em altares improvisados. Inicialmente colaborava com os pioneiros, quase todos imigrantes tiroleses como ele, mas com o tempo chegavam à região cada vez mais imigrantes italianos do Vêneto e da Lombardia. E, com eles, “novas ideias” sobre a italianidade

As tensões políticas da unificação italiana de 1859 e de 1866 (quando o Vêneto passou a pertencer ao Reino da Itália) se “transferiram” para o Brasil, onde se difundia a propaganda a favor das empreitadas de Giuseppe Garibaldi.

Bandeira imperial austríaca, a famosa “gialla e nera” (amarela e preta) das canções patrióticas tirolesas.

Havia animosidades entre colonos tiroleses e italianos, pois os austríacos não aceitavam que Trento pudesse fazer parte do Reino da Itália e não eram favoráveis à política de unificação. Por sua vez, os colonos italianos reclamavam da administração austríaca em seus territórios (de 1815 a 1866). Essas discussões entre austríacos (trentinos, triestinos e friulanos) e italianos (vênetos, lombardos e emilianos) causavam, por vezes, desentendimentos e brigas, de modo que nem mesmo os religiosos estavam “neutros” nessas discussões.

Quando o padre Tiecher se viu obrigado a se transferir, sua paróquia foi assumida por outro tirolês, o Frei Giovani Fronchetti, que durante algum tempo administrou o jornal Il Colono Italiano que, por sua vez, encontrava ferrenhos “inimigos” entre outros jornais da comunidade italiana porque, sob a direção do padre Fronchetti, o jornal Il Colono Italiano defendia abertamente a política do Império Austro-Húngaro e tecia críticas ao Reino da Itália, de inspiração positivista.

Apelo aos cidadãos austríacos e húngaros publicado na edição 48 do jornal “Il Colono Italiano”, editado em Caxias do Sul. À época criou-se um comitê que se encarregou de enviar doações em dinheiro dos imigrantes estabelecidos no Rio Grande do Sul para o exército imperial austro-húngaro. A Primeira Guerra Mundial era eminente.

A identidade nacional austríaca dos imigrantes tiroleses era indiscutível. Por causa de sue língua materna, eles eram austríacos de língua italiana ou, ainda, “italianos da Áustria”. Haja vista que o idioma italiano era oficial no Império Austríaco, ser austríaco não era sinônimo de “pertencer ao grupo étnico/linguístico alemão”. Muitos foram os episódios que demonstram o sentimento nacional dos tiroleses e de seus descendentes, profundamente ligados à Áustria e ao imperador Francisco José (Francesco Giuseppe, Franz Joseph). Vale lembrar que, naquele período, ser italiano não era sinônimo de ser cidadão da Itália e jornais como Il Colono Italiano, de Caxias do Sul, publicavam muitas vezes artigos escritos por tiroleses demonstrando seu patriotismo e sua ligação com o Império Austríaco – até mesmo com doações em dinheiro para o exército na terra natal.

No período da Primeira Guerra Mundial, o jornal “Il Colono Italiano” de Caxias do Sul publicava as listas com os nomes de tiroleses que doavam dinheiro para a frota imperial austro-húngara. Muitos imigrantes e descendentes no Rio Grande do Sul enviavam dinheiro para a terra natal. Na maior parte das vezes, as somas eram enviadas para ajudar os famíliares que ficaram na Europa, mas também para apoiar causas patrióticas, como neste caso.

Em um de seus vários livros escritos em talian, El nostro parlar (1993), o professor Darcy Loss Luzzatto, neto de imigrantes tiroleses e vênetos, conta sobre a identidade dos imigrantes tiroleses e sobre as diferenças que haviam entre aqueles e vênetos nos primeiros anos de Bento Gonçalves. No texto intitulado Tirolesi senza bandiera (“tiroleses sem bandeira) – antigo termo depreciativo outrora utilizado pelos italianos para se referir aos tiroleses na Serra Gaúcha -, lemos algumas informações sobre a cultura de matriz “veneta” dos tiroleses (assunto para outro post), além de uns comentários que parecem ser mais relacionados às leituras sobre a situação política de Trento, bem como sobre o direito à cidadania italiana, haja vista que o território de Trento fora incorporado à Itália. Um trecho do texto trata da imigração:

“Nte i ùltimi 25 ani de’l sècolo passa gh’è sucedest un vero svodamento de i pìcoli paesi de’l Süd Tirol, o Tirolo Italiano, no solche de quei tiradi su par i Dolomiti, ma anca de quei vicini ai paesi pi grandi come Trento e Rovereto. (…) Sti imigranti, se anca i gavesse léngua e cultura italiana (…) i era sùditi de’ l Impero Àustri-Ungàrico, e cossì, de citadinanza, i era austrìaci”.

(“Nos últimos 25 anos do século passado aconteceu um verdadeiro esvaziamento dos pequenos vilarejos do Tirol Meridional, ou Tirol Italiano, não apenas daquelespróximos às montanhas Dolomitas, mas também daqueles vizinhos às cidades  maiores como Trento e Rovereto. (…) Esses imigrantes, mesmo se tivessem língua e cultura italiana (…) eram súditos do Império Austro-Húngaro e, assim, quanto à cidadania, eram austríacos”).

No livro Stòria e fròtole (“História e casos”) do Frei Rovílio Costa e Arlindo Battistel (2000), juntam-se vários depoimentos de diferentes descendentes, com textos bem humorados que relatam os vários acontecimentos do cotidiano das colônias. Um dos textos escritos pela Sra. Oliva Todeschini Fronza, da cidade de Sananduva, trata das brigas e disputas existentes entre tiroleses de língua italiana (austríacos) e vênetos (italianos) durante os anos da Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918) e que permaneceram na tradição oral dos descendentes.

Registram-se, no entanto, casos de imigrantes tiroleses que colaboraram sem nenhum problema com sociedades italianas no Rio Grande do Sul, como é o caso da Sociedade Italiana de Mútuo Socorro Rainha Margarida, presidida pelo imigrante Domenico Loss, e cuja patrona era a rainha italiana. Mesmo que representassem uma notória minoria, havia, naturalmente, tiroleses que simpatizavam com a ideia da unificação italiana e com a anexação da região de Trento ao Reino da Itália.

Entretanto, durante os anos em que ocorreu a Primeira Guerra Mundial, disputas marcaram profundamente o cotidiano das comunidades no Rio Grande do Sul e, como afirmam autores como Luzzatto e Lorenzoni, não foram poucos os casos de hostilidade e violência. Os jornais coloniais (em língua italiana) dividiam as opiniões da população local. O jornal Il Colono Italiano, administrado durante certo tempo pelos capuchinhos, não escondia sua opinião em prol da Áustria e contra os ideais da unificação italiana (porque anti-clerical), ao passo que os jornais Città di Caxias e Corriere d’Italia escreviam artigos contra a Áustria e provocações contra os tiroleses. O jornal Il Trentino foi talvez o mais importante jornal da comunidade austro-brasileira no início do século XX, editado em Porto Alegre entre os anos de 1915 e 1917 em língua italiana, portuguesa e alemã, definindo-se a “voz” da colônia austríaca.

Jornal Il Trentino, editado em Porto Alegre, considerado “a voz da comunidade austríaca” do Rio Grande do Sul.

Também as canções populares trazidas na imigração faziam referência ao Tirol e aos tiroleses, como a famosíssima canção La Verginella (ou Verdinela), cuja letra menciona a Itália e o Tirol separadamente, porque a região de Trento não pertencia ao Reino da Itália:

Ho girato l’Italia e il Tirol – 2x   [Andei pela Itália e Tirol]  
sol per trovarmi na verginella    [só para encontrar uma virgenzinha]
ciombaralilalela e viva l’amor! [tchombaralilalela e viva o amor!]

Verginella non posso trovare – 2x   [Virgenzinha não posso encontrar]
solo mi basta che la sia bella   [só me basta que ela seja bela]
ciombaralilalela e viva l’amor!   [tchombaralilalela e viva o amor!]

I tirolesi son bravi soldati – 2x   [Os tiroleses são bravos soldados]
tutte le notte di sentinela   [todas as noites de sentinela]
ciombaralilalela e viva l’amor!   [tchombaralilalela e viva o amor!]

4 comentários em “1873 – 2023: 150 anos de imigração “trentina” no Rio Grande do Sul – mas os primeiros tiroleses chegaram em 1868!”

  1. Sendo descendente de tirolês-italiano(Pedó x Tait e Degasperi x Fiorini) e por ser pesquisador, está correta a leitura, inclusive quanto as disputas que decorriam das posições políticas dos jornais da época. Mas como até hoje no consulado italiano do RS, os trentinos são chamados de trentinos, então é possível compreender que consideram a data de imigração italiana o ano de 1875, porque os nossos eram Austríacos. Apenas no tratado de São Germano, de 1918, abriu a possibilidade dos povos trentinos optarem por uma nacionalidade. Aliás, este documento foi exigido de muitos trentinos que postularam a dupla cidadania, mas cujos antepassados já estavam aqui no meio do mato e sequer ficaram sabendo de terem que fazer esta opção. Muito lutamos por uma nacionalidade de origem. Fiz parte do Grupo do Darci Luzatto, no qual levantamos bandeira por uma nacionalidade(diziamos: o Brasil e nossa mãe, em cujo seio nascemos e nos alimentamos…mas e a avó? quem era?). O nosso movimento diante das autoridades italianas, inclusive enviando uma advogada ao parlamento italiano, para defender o que ainda não havia sido revogado do tratado de São Germano, chegou ao extremo de apoiar a Liga Norte, na época, para que se abrisse uma porta ao reconhecimento da origem ou então a criação de um novo país naquela região, cuja bandeira seria levantada ao meio dia da famosa marcha de Trento, que reuniu 800.000 pessoas. Afinal, somos um misto de itaianos e austríacos, muito discriminados por este caldeamento.

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  2. Boa noite Deoclides, muito interessantes essas informações;

    Meu nome é Cristiano e pesquiso algumas famílias italianas em Minas Gerais.

    Você tem alguma informação do sobrenome Pedó em Minas ?

    att;

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