Em memória de Andreas Thaler

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Andreas Thaler (1883 – 1939)

 

No dia 28 de junho de 1939 falecia tragicamente no Brasil o ex-ministro da agricultura austríaco Andreas Thaler, fundador da Colônia Dreizehnlinden (atual município de Treze Tílias).

Também em um dia 28 de junho, falecia (assassinado) em Saraievo o arquiduque Francisco Ferdinando de Habsburgo-Este (Franz Ferdinand Carl Ludwig Joseph Maria von Österreich-Este), herdeiro direto do trono do Império Austro-Húngaro. O trágico acontecimento mudaria completamente os rumos políticos e sociais da Europa, sendo o estopim para a Primeira Guerra Mundial (1914 – 1918).

E, de certa forma, aquele dia 28 de junho era também um “início” para a fundação da futura cidade de Treze Tílias…

Após a Primeira Guerra e a divisão do Tirol, a situação social da recém-fundada República da Áustria era preocupante. Os nacionalismos e tensões políticas anunciavam uma nova guerra e o então ministro da agricultura da Áustria, o tirolês de Wildschönau, Andreas Thaler idealizou uma colonização na América do Sul, tendo escolhido o Brasil para fundar, em 1933, a colônia Dreizehnlinden. Thaler liderou um processo emigratório para o Brasil que, entre 1933 e 1938, trouxe vários imigrantes austríacos, principalmente tiroleses do norte e algumas famílias de sul-tiroleses (já cidadãos italianos).

 

Treze Tílias “novo Tirol” (Dreizehnlinden Neu Tirol)

Sem dúvida, a fundação de Treze Tílias está intimamente ligada à trágica divisão do Tirol após a Primeira Guerra Mundial (1918). A colônia foi fundada por iniciativa do próprio Thaler, que foi presidente da Liga Tirolesa dos Agricultores (Tiroler Bauernbund) e chegou ao ministério da agricultura austríaco em 1926, permanecendo no cargo até 1929. Foi senador até 1934 e, de 1930 a 1931, novamente ministro da agricultura, quando já demonstrava intenção de iniciar um programa de emigração para a América do Sul.

Thaler conhecia muito bem a situação da Áustria de então (outrora um grandioso império reduzido a uma pequena república) e previu uma guerra europeia muito pior do que aquela que presenciou. Por conta disso, acreditava que uma solução plausível seria a imigração, que poderia “unificar” simbolicamente o Tirol em terras estrangeiras.

congresso eucaristicoOs motivos principais foram a crise econômica que assolava a Áustria, a falta de perspectivas de trabalho para a juventude austríaca e a falta de espaço para muitos agricultores. Desde o final do Império Austríaco, em 1918, cerca de 60.000 austríacos emigraram por conta da forte crise que se seguiu. A princípio, o ministro austríaco pensou em estabelecer a nova colônia no Paraguai e chegou a circular pelo país, bem como pela Argentina e pelo Brasil, mas acabou escolhendo o estado de Santa Catarina para estabelecer os imigrantes. Thaler fundou em 1933 a Sociedade de Colonização no Exterior Ltda, com sede em Viena. A sociedade adquiriu terras com ajuda dos governos brasileiro e austríaco, de modo que os colonos pagassem (em dinheiro e com trabalho) pelas terras onde se estabeleceriam.

O primeiro grupo chegou ao Brasil em 1933 e seguiram-se outros grupos de imigrantes até 1938. A intenção inicial era batizar a colônia com o nome Neu Tirol (“Novo Tirol”), mas Thaler ficou sabendo da existência de outras comunidades que já se chamavam Tirol. De fato, no Brasil existem Colônia Tirol, em Santa Leopoldina/ES, Tiroleses em Timbó/SC, Santa Maria do Novo Tirol em Piraquara/PR, entre outras comunidades fundadas por imigrantes tiroleses.

Livro Treze Tilias
O livro que inspirou o nome da colônia austríaca.

 

Já no Brasil, Thaler foi presenteado por seu filho Andrä com um livro do escritor alemão Friedrich Wilhelm Weber intitulado Die Dreizehnlinden (“As treze tílias”). O poema épico contava sobre um mosteiro medieval onde perfilavam treze árvores de tília (considerada um símbolo de sabedoria pelos antigos germânicos) e sobre a conversão de pagãos ao Cristianismo. Após ter lido o livro, Thaler resolveu batizar a nova colônia com o nome Dreizehnlinden – hoje a cidade de Treze Tílias.

 

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Thaler com um grupo de imigrantes.

 

O primeiro grupo chegou no navio “Principessa Maria” que trouxe o grupo pioneiro (85 pessoas do Tirol e Vorarlberg) saiu de Gênova, em 1933, e fez uma primeira parada no porto do Rio de Janeiro (onde os imigrantes permaneceram por oito dias) e, dali, seguiram para São Francisco do Sul/SC a bordo do barco “Baependi”. De trem, seguiram para Barra do Rio São Bento (atual Ibicaré/SC) e, dali, subiram a pé e com carroças até o local da colônia.

A Colônia Treze Tílias em 1938.

 

Thaler morou com sua família na colônia de 1933 a 1939 e foi seu líder comunitário. Construiu sua casa inspirando-se na arquitetura da renomada Escola Agrícola de Rotholz, em Schwaz (Tirol setentrional). A antiga casa da família Thaler abriga hoje o museu municipal que leva o nome do fundador da colônia.

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Construção da casa da família Thaler (1934).

 

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Museu Andreas Thaler, em Treze Tílias.

 

Morte trágica.

O mês de junho de 1938 foi marcado por chuvas prolongadas e intensas. O nível do rio Papuan – chamado na Colônia Dreizehnlinden “Mühlbach” (“riacho do moinho”) – elevou-se a ponto de ameaçar uma área da colônia, o vale onde se encontrava o moinho (Mühltal), entre outras oficinas, ferraria e casas.

A correnteza havia trazido muitos galhos e troncos que impediam o escoamento e, caso as águas se acumulassem e o emaranhado de galhos e troncos se rompesse de uma só vez, o grande volume de água que seria liberado poderia destruir as casas e oficinas daquela parte da colônia.

Por volta das 23 horas do dia 27 de junho, um grupo de aproximadamente vinte homens seguiu para o vale onde se encontrava o moinho. Com eles, estava também o líder da colônia Andreas Thaler.

Era madrugada do dia 28 de junho e os trabalhos para impedir a enchente continuavam. Alguns homens estavam em cima da ponte que cortava o vale do moinho e havia o perigo de a ponte se romper por causa da força das águas.

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Andreas Thaler

Os homens tentaram desbloquear o escoamento como podiam e Andreas Thaler (já com certa idade) se encontrava no meio da ponte, iluminando o local com uma lanterna, ajudando e orientando o trabalho. De repente, a ponte se ergueu com a força das águas e se virou de modo abrupto. Os homens que estavam nas pontas conseguiram, pular para as margens, mas o líder da colônia não teve tempo de fugir. Provavelmente, Thaler sofrera alguma pancada que o impediu de nadar para a margem e, juntamente com a ponte, sumiu nas águas violentas. Seu corpo seria encontrado somente no dia 1º de julho, por volta do meio dia, a uma distância de quase um quilômetro abaixo do local onde se encontrava a ponte.

No dia 2 de julho de 1939, a população de Dreizehnlinden, comovida, sepultava o seu líder comunitário e idealizador da colônia.

ministro Thaler
Andreas Thaler com familiares e amigos.

 

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A família Thaler com um retrato do pai Andreas.

10 comentários em “Em memória de Andreas Thaler”

  1. Parabéns Everton, pelo belíssimo trabalho! Tenho uma questão sobre outro post em que você conta sobre a educação obrigatória instituída pela imperatriz Maria Teresa em 1775. Minha questão é a seguinte: os vênetos foram beneficiados por essa educação obrigatória quando da sua anexação pelo império austríaco em 1797?

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    1. Foram sim, Marcio. O analfabetismo existia, mas em menor número que em outras regiões. E vemos os resultados dessa conscientização, fruto da educação obrigatória, na preocupação de vários imigrantes vênetos em fundar escolas em várias colônias estabelecidas no Brasil.

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      1. Obrigado pela resposta, Everton. Restou ainda uma dúvida: os vênetos eram alfabetizados na língua vêneta ou em alemão. A mesma pergunta vale para os trentinos.

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      2. Prezado Marcio,

        o decreto de Maria Teresa previa que a educação seria provida na língua materna dos alunos. Portanto os vênetos e os tiroleses italianos (“trentinos”) eram alfabetizados na língua italiana (vernácula, não o dialeto).

        Att,
        Misael Dalbosco

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  2. Everton, parabéns por essa publicação. Realmente é a história de muitos e muitos imigrantes que vieram ao novo mundo, fugindo da guerra, fome e desgraças. Eu tenho o nome Thaler, minha família paterna veio da Austria em 33 ou 34, não lembro direito, direto para Treze Tilias e até hoje eu não entendi direito os laços familiares com Andreas Thaler. Parte da família diz que meu avô e Andreas eram primos de segundo grau, parte diz que não tem nada haver, outra diz que somos Thaler Farm e do Andreas Thaler são da cidade. Não tive coragem de questionar ninguém dos parentes para não melindrar ninguém uma vez que não sabemos a história por detrás disso tudo. Quando se toca nesses assuntos a medo de repente alguém reivindicar posses, ninguém fala nada. Eu me orgulho de ter o nome Thaler herança do meu pai que não tive a oportunidade de conviver com ele mas, foi dele que tenho a cidadania austríaca e passei para os meus filhos que hoje estão na Alemanha há 10 anos. Essa história do Andreas me comove, pois meu filho tem o nome Andreas em homenagem a um dos irmãos do meu pai. A cidade é linda, já fui visitá-la quando minha tia morava em Joaçaba. Fico feliz em saber que tem herdeiros que mantem a história de nossas famílias, que guardam de onde viemos. Mais uma vez parabéns pelo lindo trabalho.

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    1. Prezada Sra. Magdalena Thaler Cuevas:

      Obrigado por seu comentário. Havia duas famílias Thaler em Treze Tílias e que não eram parentes. A família do ministro Andreas Thaler era da Wildschönau. O imigrante Karl Thaler, nascido em Innsbruck em 1887, era Farbwarenhändler (revendedor de tintas) e, por isso, era chamado Farben-Thaler. O sobrenome Thaler ocorre em vários vales do Tirol.

      Att.

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